segunda-feira, 25 de março de 2013

O Colonialismo das Armas e a Tragédia Síria


‘’As guerras localizadas de hoje, que tão facilmente passam de um calibre para outro, documentam bem claramente o quanto a preocupação de armar-se para evitar ataques pode com facilidade transformar-se primeiro em provocação, depois em catástrofe’’ Anthony Sampson.


‘’Estamos certamente metidos em um negócio infernal, onde torcemos para que haja encrencas, a fim de que melhore nosso meio de vida’’. Frank S. Jonas (vendedor de armas da Remington)
    
    As revoltas no mundo árabe, denominadas no ocidente como “Primavera Árabe’’, arrastaram vários países para uma onda de violência e ebulição interna. O incompreensível Oriente Médio (Aos olhos da conservadora política externa ocidental), foi assolado por essa onda de revoltas que acarretaram na derrubada de ditadores no Egito,Tunísia e Líbia os quais, antes das revoltas, eram aliados e colaboradores das potências ocidentais (Lembrando que o mundo árabe envolve o Oriente Médio e todo o norte da África). A questão da ambigüidade dos discursos ocidentais em defesa da liberdade e da democracia já foi abordada nesse blog (Ver texto ‘’O ambíguo discurso dos EUA em defesa da liberdade e da Democracia’’). Na maioria dos países do Oriente Médio, as fronteiras internacionais foram delimitadas, segundo os interesses imperialistas ocidentais, durante o processo de descolonização iniciado após o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Muitos povos e culturas particulares acabaram sendo reunidos dentro de países construídos artificialmente, se estabelecendo um governo único que, muitas vezes, não representavam todos os grupos étnicos existentes dentro dessas novas fronteiras. Como ocorreu na África, a delimitação das novas fronteiras uniu povos, e grupos étnicos, que não se identificavam com outros povos, de culturas e dialetos diferentes, dentro de um mesmo território e, assim, não tardaria a ocorrer conflitos e disputas de poder entre grupos e etnias acarretando em conflagrações prolongadas e perpétuas (KARNAL, 1994, 69p).
     No tabuleiro montado para delimitar essas fronteiras no Oriente Médio, com várias linhas ou faixas de fronteiras retilíneas feitas na forma de traçados, as grandes potências não poderiam deixar de instalar seus governos colaboradores. O mais colaborador desses estados, aos interesses ocidentais, seria a representação de um modelo de estado ocidental, uma vitrine do capitalismo estadunidense. Fundado em 1947, Israel teve o apoio incondicional dos EUA, para representar o capitalismo ocidental, diante da influência do socialismo soviético na região durante o período da Guerra Fria (1945-1989). Com interesses expansionistas, Israel se entregou ao militarismo para submeter os povos árabes construindo uma formidável máquina de guerra (Ver texto: Valsa com Bashir e a sombra de Sabra e Chatila). Em resposta ao militarismo israelense, os países vizinhos como Síria, Egito, Iraque, Líbano, Jordânia e, posteriormente, o Irã buscaram no armamentismo uma forma de resposta (KARNAL,1994, 69p). O Oriente Médio, assim, se transformou em uma região onde o comércio de armas se tornou um dos principais e mais lucrativos negócios para as grandes corporações produtoras de armamentos. A produção de petróleo fornece os recursos suficientes para os países se armarem constantemente (SAMPSON, 1982, 405p).
 
   O jornalista e historiador britânico Anthony Sampson em ‘’Os Vendedores de Armas’’ (Titulo original ''O Bazar de Armas''), investigou a escalada indiscriminada do fornecimento de armas em todo mundo, onde as grandes corporações se fazem valer das táticas como os favorecimentos a grupos políticos locais. A corrupção se tornou um grande recurso para os vendedores de armas que atuavam como representantes das corporações. Abarrotar o mundo de armas significava, sempre, enormes lucros não importando os riscos políticos e desconsiderando as rivalidades e instabilidades internas dos países. Essas instabilidades internas e conflitos externos são terrenos férteis a serem explorados para o comércio de armas em todo o mundo. Sampson atribui esse fenômeno a um ‘’colonialismo das armas’’ onde as potências exploram os países sem a utilização da força, destacando a situação de países da África Subsaariana, do Oriente Médio e da América Latina que, mesmo com graves problemas sociais, gastavam enormes recursos no setor militar (SAMPSON, 1982, 405p).
     No Oriente Médio, o Líbano, o Iraque e o Afeganistão são exemplos de países em constantes conflitos internos e rivalidades que acarretaram em instabilidades políticas e violência sectária e generalizada. A Síria foi um país, também, fundado em fronteiras artificialmente construídas segundo os interesses de franceses, estadunidenses e ingleses após 1945. Durante décadas, o país foi comandado por ditadores de uma mesma família que, com punhos de ferro, mantinham a unidade territorial e a estabilidade política no território o qual reúne pelo menos quatro grandes grupos étnicos (KARNAL, 1994, 69p). No entanto, o país se posicionou, nas últimas décadas, contra os interesses ocidentais por manter uma postura nacionalista, não-neoliberal e de hostilidade a Israel. A Síria, também, carrega o peso de ser, o governo do ditador sírio Bassar AL Assad, um importante aliado do Irã se colocando na esfera das hostilidades entre os EUA e Irã. O governo de Assad mantém laços com a comunidade Xiita e Alauíta, pois sua família pertence a esses grupos de populações islâmicas. Hoje essa mesma Síria mergulha em sangue. A guerra civil, iniciada em 2011, já pode ter matado 70 mil pessoas. Fica cada vez mais evidente o conflito entre os grupos xiitas e alauitas, que apóiam Assad, e os grupos sunitas (Outro grupo de populações islâmicas), os quais são representados pelos opositores que tentam derrubar o governo sírio.
   A história do Oriente Médio sempre foi marcada pela guerra e o comércio incessante de armas. A guerra civil na síria revela ao mundo a nova face do comércio internacional de artefatos bélicos. A Rússia e o Irã fornecem armas para o governo sírio, enquanto que armas dos EUA, França e Inglaterra estão chegando aos opositores via Barein e Arábia Saudita. Um conflito interno, que revela os choques entre etnias e culturas, que poderá se intensificar ainda mais. Ao apoiar os opositores, não se levam em conta que o governo de Assad tem o apoio de boa parte da população. Por outro lado, os grupos sunitas, que perderam o poder no Iraque, estão se unindo para tentar tomar o poder na Síria, o que dificilmente poderá ocorrer. A irresponsabilidade dos que interferem nesse conflito, armando algum dos lados, poderá intensificar e prolongar as hostilidades, como ocorreu no Líbano, onde a guerra civil durou de 1975 a 1989, se prolongando para o sul até 2000, sem haver vencedores.
   A guerra civil na Síria, é um exemplo da necessidade humana de superar o recurso da guerra, de superar essa mentalidade belicosa, pois as dimensões culturais dos países estão acima do poder político e não podem ser delimitadas por fronteiras (Visto que o conflito na Síria não se restringe apenas as suas fronteiras). No entanto, aparentemente, a Síria se coloca dentro de uma sombria realidade que opõe de um lado rivalidades locais, intensificadas após a invasão do Iraque pelos EUA, e de outro lado o choque entre novos imperialismos envolvendo as potências ocidentais, a Rússia e a China. A Síria, assim, poderá se tornar em um novo campo de testes de artefatos de destruição e morte nos novos jogos geopolíticos globais. No meio de tudo isso esta a população civil síria, os principais atingidos por toda essa tragédia, e o sofrimento desse povo pode estar apenas começando. A venda e o fornecimento de armas continuarão, unindo às rivalidades locais. Como afirma Anthony Sampson - ‘’Nunca se poderá controlar o comércio de armas a menos que se mude a mentalidade dos homens’’. Com a mentalidade de guerra que predomina na atualidade, é difícil prever como e até quando a tragédia síria prosseguirá. Pobre Síria. 
   O que podemos considerar, ao analisar guerras como essa, é a necessidade de superar os velhos antagonismos, criados para separar e definir os lados envolvidos nos conflitos atuais. Essa guerra, evidentemente, não se trata de uma luta de bons contra maus, nem moçinhos contra bandidos. Trata-se de um conflito desencadeado por rivalidades internas e culturais já existentes na Síria. O discurso da mídia ocidental, que associa a guerra á uma luta contra um governo ditatorial por grupos que desejam implantar uma democracia, não deve ser considerado como válido, pois não há uma tradição democrática na região. O modelo democrático burguês ocidental não corresponde as realidades culturais da grande maioria dos povos do Oriente Médio. Somente os povos dessa região devem decidir seus direcionamentos políticos. A interferência externa nessa região sempre foi marcada pela defesa de mesquinhos interesses políticos e econômicos, que só trouxeram dor e sofrimento a milhões de habitantes do Oriente Médio. A questão da mediocridade dos discursos midiáticos, com a apologia ao recurso militar, será apresentada ainda em outros textos.

Referências:
- KARNAL, LEANDRO. Oriente Médio. São Paulo. Editora Scipione, 1994. 69p.
-SAMPSON, ANTHONY. Os Vendedores de Armas. Rio de Janeiro: Record, 1982. 405p.
- Foto: A Guerra Civil na Síria. Disponível em:http://www.brasil247.com/pt/247/revista_oasis/85611/

4 comentários:

  1. Muito legal de novo, quero mais um ponto por favor.

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  2. Genivaldo me dá um autógrafo

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  3. Que os futuros alunos tenham uma escrita bem construída como a sua. Amém <3

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