quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

A Logística como perpetuação da guerra



‘’A um certo ponto, os grupos dirigentes precisam da crise bélica perpétua, para legitimar o seu papel, seus privilégios e suas prioridades, para silenciar o dissenso, para exercer a disciplina social e para desviar a atenção da evidente irracionalidade das operações’’. Edward Thompson

    A dimensão destrutiva das guerras nos últimos cem anos desperta perplexidade e fascínio tal a imensa evolução, constante e interrupta, dos sistemas de destruição. A maioria das pessoas avaliam a guerra em sua escalada e execução mesmo porque foram inúmeras as confrontações militares no último século. A curiosidade que desperta as guerras disfarçam, da maioria do público, a manutenção permanente de uma logística que alguns estudiosos atribuem como sendo a própria guerra em sua forma pura e perpétua. Sem dúvida, o militarismo se transformou em um fim para economia capitalista desde a Segunda Revolução Industrial iniciada ao final do séc. XIX sob a liderança dos EUA. Esse crescente militarismo contribuiu enormemente para expansão capitalista a partir de então e assegurou a hegemonia burguesa além de consolidar a reprodução ampliada do capital. Para avaliar as dimensões desse fenômeno, no início do século XX, entre os anos de 1901 a 1913, se gastava a nível mundial em torno de 4 bilhões de dólares por ano com armas. Em 1985, esse valor havia se multiplicado por no mínimo 200. Atualmente, os gastos militares situam-se em torno de 1,5 trilhões de dólares (SIPRI, 2011). No entanto, esse valor ainda pode ser subestimado, pois existem muitas despesas militares que são secretas e ficam estatisticamente disfarçadas sob outros rótulos: informações, segurança, pesquisas, etc (VESENTINI, 1987, p.58).
   No atual processo de globalização, sob o neoliberalismo, a logística da guerra permanece, como forma de intenso controle ideológico e militar da própria população, essas questões abordaremos em outro texto. Mas o que consiste essa logística de guerra? Como entender a sua permanência e origem? Há em torno de 1945-1950 uma declaração do pentágono: ‘’Logística é o procedimento segundo o qual o potencial de uma nação é transferido para suas forças armadas, tanto em tempos de paz como de guerra’’. Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) ficaria evidente que a capacidade logística dos aliados alterou os rumos do conflito. A logística pode ser entendida como a economia de guerra em substituição a economia política. A escalada de um conflito exige uma preparação envolvendo todos os recursos disponíveis de uma nação. O que pode definir um conflito, entre nações ou grupos, seria a capacidade de mobilização de recursos para atender aos esforços de guerra. Não basta apenas a mobilização de tropas ou armamentos em um conflito. Quando se arrastam milhões de homens para a guerra surge, com eles, o problema de subsistência, mas subsistência também não é tudo: logística não é só bóia, é transportes, munições, treinamento, etc. (LOTRIGUER, VIRÍLIO, 1984, p.24-25).

   A vitória dos aliados contra o Nazi-Fascismo, e o fim da Segunda Guerra Mundial, porém, não acarretaria um direcionamento para a paz mundial, muito pelo contrário, o mundo todo passou a viver sobre a sombra da Guerra Fria (1945-1989) e, como já nos referimos, ao estabelecimento do Complexo Industrial Militar. As ligações entre os industriais e os militares formaram esse complexo industrial nos EUA (Ver texto: ‘’A Ascensão do Estado Fortaleza’’).  O que passaria a marcar o mundo, a partir de então, seria a ênfase no poder de dissuasão e não mais na vitória pela guerra. Sendo assim, a corrida armamentista, e a preparação para a guerra, permaneceria como uma garantia para a paz (ARENDT, 2010, p.24). A explicação para essa mudança seria a produção em larga escala da ‘’arma final’’, representada pela arma nuclear. Com a bipolarização de poder mundial, entre EUA e URSS, não haveria possibilidade de se vencer guerras e se estabelecer o controle militar de uma potência sobre outra. EUA e a URSS poderia ser reduzidos a múltiplas camadas de entulhos, juntamente com todo o planeta, em caso de guerra total.
    A guerra total na sua execução, como percebemos, passa a ser inviável e rejeitada, pois seria o suicídio da humanidade. No entanto, a corrida armamentista, a preparação para a guerra e a ampliação da capacidade logística se acentuou. Mas qual seria a necessidade desse sistema? Como vemos, não importa qual seja a capacidade de mobilização de uma nação para a guerra, os 1,5 bilhão de habitantes da China poderiam ser reduzidos a pó pela força nuclear dos EUA ou da Rússia. Não há mais qualquer possibilidade de uma guerra de grandes proporções, entre potências, que poderia significar a vitória militar de algum lado. No entanto, o mundo passaria a viver sobre a sombra da logística, ou seja, na mobilização de recursos para a preparação e a produção de guerra. Os EUA, atualmente, mantém centenas de bases militares ao redor do mundo. Após os atentados de Onze de Setembro, as mobilizações militares dos EUA se intensificaram e os gastos militares do país superaram qualquer período anterior em sua história. Os integrantes da AL Qaeda, considerados pelos EUA os autores dos atentados, eram  um grupo de 4000 integrantes aproximadamente, e contra esse grupo se mobilizou toda uma gigantesca logística de guerra acabando por desembocar, como sabemos, nas desastrosas invasões do Afeganistão e do Iraque (HOBSBAWM, 2010, 182p).
   Através desses estudos podemos considerar que todas essas mobilizações, e as que já ocorreram ao longo de décadas, tem o propósito de manter a logística para a guerra em operação. As guerras, como as atuais, não acarretaram em um desfecho pela vitória. Ao contrário, essas intervenções, como as ocorridas no Iraque e no Afeganistão (Também na Coréia (1950-1953) e no Vietnã (1965-1973), entre outras) não resultaram em nenhuma vitória dos EUA. Essas guerras conduziram á um número enorme de vítimas civis e um grande desgaste político e econômico. O que se evidencia é não interesse por vitória alguma. O que aparentemente demonstra é a importância dessas intervenções para a sobrevivência desse sistema belicoso. As guerras, aliás, continuaram e continuam sendo estimuladas na periferia do planeta (Ver texto: ‘’Guerra aos mais fracos e vulneráveis). Mesmo nas áreas de conflito mais pobres (Como na miserável África Subsaariana) armas chegam, de alguma forma (Por venda direta ou indireta), sem dificuldades para abastecer ambos os lados. A guerra, sendo assim, permanece como sendo uma extensão da diplomacia (ARENDT, 2010, 167p).
   È necessário o entendimento que as potências militaristas mundiais precisam, periodicamente, testar seus novos experimentos bélicos. Por isso o envolvimento em guerras deve, de alguma forma, ocorrer com o propósito de não apenas testar novos armamentos, mas também demonstrar ao mundo as novas armas para possíveis futuros compradores. A permanência dessa preparação para a guerra exige uma base de fundamentação, um certo fundamentalismo. O filósofo Paul Virílio atribui esse fenômeno a uma forma de ‘’Guerra Santa’’ como o equivalente a ‘’Guerra Pura’’ ao considerar os esforços incessantes e o consumo intensivo de recursos para manter as engrenagens da guerra. Podemos associar tudo isso ao que o sociólogo e historiador Edward Thompson define como a perpetuação da ‘’Crise Bélica’’. Ou ainda podemos estabelecer alguma conexão com o geógrafo Milton Santos quando denomina o ‘’Império dos objetos’’. Não importa a forma como associamos, é importante a compreensão que o sistema econômico e político atual se apoiam nessas estruturas e, de certa forma, estabelecem o controle perpétuo sobre a sociedade civil.
  Todas essas questões, e várias outras, serão ainda apresentadas em outros textos sendo importante, e sugerida, a leitura dos textos anteriores. O propósito será sempre proporcionar uma abordagem que possa contribuir para o entendimento da questão bélica. Lembrando que, dado à dinâmica e a complexidade das sociedades humanas, nosso objetivo, nesse blog, será de apresentar as reflexões dos diversos autores de todas as áreas das ciências humanas e do jornalismo investigativo. Todas as formas de abordagens podem oferecer elementos para os nossos estudos, mas, dado a enorme pluralidade social e cultural dos povos, é impossível uma explicação total e definitiva de todas as questões. Mas podemos ter uma aproximação, através desses estudos e de novas abordagens, da realidade política, econômica e social que vivenciamos hoje. O que podemos considerar, e pode ser claro a todos, é que a guerra, e a sua preparação intensiva, é a evidência mais precisa e máxima da decadência e do declínio da racionalidade humana. A história recente demonstra que preparação para a guerra nunca garantiu nenhuma segurança efetiva e suficiente, se é que se possa garantir, a qualquer população da terra seja qual for a sua localidade. Esse sistema apenas mantém os aparatos ideológicos de dominação e perpetua a supremacia e poder de certos grupos distintos sobre a população civil. Não podemos deixar de considerar a forma em que a própria sociedade civil é conduzida a apoiar tudo isso, o qual estudaremos em outros textos.
Referências:
HANNAH, ARENDT. Sobre a Violência. Editora Civilização Brasileira. Rio de janeiro. 2010. 168 p.
HOBSBAWM, ERIC. Globalização, Democracia e Terrorismo. O Terror. Ed. Companhia das letras. São Paulo, p.121-138. 2010.
SIPRI YEARBOOK 2011. Instituto Internacional de Pesquisas da Paz de Estocolmo. Disponível em WWW.SIPRI.ORG
VESENTINI, JOSÉ WILLIAM. Imperialismo e Geopolítica Global. Geopolítica e geoestratégia internacional. Ed. Papirus. Campinas, p. 55-87. 1987.
VIRILO, PAUL; LOTRINGER, SYLVERE. Guerra Pura – A militarização do cotidiano. Editora Brasiliense. São Paulo, 1984. 158p.
Fotos: Defesa Net. Função logística e Contratos. Disponível em: http://www.defesanet.com.br/terrestre/noticia/7428/Funcao-Logistica-Contratos-%E2%80%93-Um-Vies-Civil-para-Questoes-Belicas, acesso em: 11/12/12.


quinta-feira, 22 de novembro de 2012

O Dinheiro e a Guerra em Estado Puro





‘’Os canhões traduzem o argumento final do dinheiro’’. Stephen Spender

    Nos textos anteriores abordamos a política e suas relações com o crescimento e a manutenção dos investimentos militares. O que se evidencia até agora em nossos estudos é a situação de submissão cada vez maior da política aos atores hegemônicos representados por setores das grandes corporações e algumas instituições supranacionais. Evidenciamos, também, a militarização da política e seu esvaziamento diante da supremacia da maquina de guerra transformando os sistemas de armas em agentes políticos. Continuando as abordagens quanto ao processo de globalização atual, dentro da lógica neoliberal, percebemos uma atmosfera de medo se tornando onipresente na vida política e social dos povos. Segundo o geógrafo Milton Santos, a força e a violência do dinheiro na atualidade são os propulsores para a supremacia de uma nova ordem global comandada pela tirania do mercado sob a doutrina do consumismo exacerbado e sem limites, o que ele denomina como sendo o ‘’dinheiro em estado puro’’ (SANTOS, 2009, p.55-58).
  O dinheiro em sua forma pura dissemina o medo de forma generalizada como força de dominação ideológica. A necessidade de ter dinheiro, e mais dinheiro, para o consumo intenso se torna um regulador da vida social acompanhado pela competição desenfreada e continua entre os indivíduos. O medo de não ter dinheiro suficiente é um dos pressupostos para as hostilidades e conflitos intensificando a violência em todos os âmbitos internos e externos das nações. Quem não consegue se adequar a esse sistema é selecionado e excluído, e isso atinge tanto os indivíduos como as próprias nações que devem competir intensamente para se adaptar a esse padrão. Os interesses econômicos, dentro dessa realidade, se tornam prioritários não importando a forma para alcançá-los, pois o medo prevalece sobre as possibilidades de não superar as crises e recessões, de não alcançar o crescimento econômico necessário, de não ser aceito dentro dos padrões exigidos pelo mercado neoliberal. Dessa forma, as empresas ganham cada vez mais força juntamente com suas políticas. O estado, ao mesmo tempo em que diminuiu diante dessa lógica e se enfraquece para cumprir sua função política, econômica e social, é fortalecido para atender as exigências do mercado. Santos atribui esse fenômeno a um conjunto de práticas totalitárias ou, o que ele define, um ‘’Globalitarismo’’ vigente na atualidade onde prevalece a supremacia de um  mercado homogeneizador disseminando o medo como poder dominante sobre a sociedade. Esse medo consiste no medo do desemprego, medo da fome, medo da violência, medo do outro, enfim a essência de tudo é o medo (SANTOS, 2009, p.53).
  Nesse processo de expansão do mercado global atual, a violência se expande continuamente sem controle. As recentes guerras e as atuais, muitas envolvendo os interesses ocidentais, são combinações de interesses econômicos e geoestratégicos que, muitas vezes, objetivam explorar ou romper as fronteiras ainda existentes à lógica do capital neoliberal. Em um momento que assistimos a guerra civil na Síria se transformar em uma carnificina terrível, observa-se as ingerências externas nesse conflito como um jogo entre forças políticas para instaurar governos colaboradores aos interesses corporativos. O que ocorreu no Iraque e na Líbia agora se volta contra a Síria sendo provável que a situação caminhe para uma catástrofe muito maior. Os esforços incessantes para ampliar a política das grandes corporações e defender seus interesses em todos os setores e, principalmente, no comércio de armas e nas explorações de fontes de energia, como o petróleo, constituem alguns dos elementos que justificam a utilização direta e indireta da força demonstrando uma competição intensa para proteger os interesses corporativos privados de algumas nações. Enquanto isso, conflitos transcorrem sem a ingerência ou interferência externa onde não há interesses corporativos, como na República Democrática do Congo o qual já provocou cinco milhões de mortes.
    Através da utilização desses mecanismos, se objetiva competir e manter a supremacia dessa nova ordem econômica e política para justificar a expansão do mercado atual. As evidências desse fenômeno se observam na atuação da mídia ocidentalizada com relação aos conflitos aqui citados. Tudo isso faz parte do jogo político ideológico para a obtenção do dinheiro em estado puro que não obedece a responsabilidades. Como afirma Milton Santos: ‘’Para exercer a competitividade em estado puro e obter o dinheiro em estado puro, o poder (a potência) deve ser também exercido em estado puro. O uso da força acaba se tornando uma necessidade. Não há outro telos, outra finalidade que o próprio uso da força, já que ela é indispensável para competir e fazer mais dinheiro; isso vem acompanhado pela desnecessidade de responsabilidade perante o outro, a coletividade próxima e a humanidade em geral’’ (SANTOS, 2009, p.58). Para Santos, a busca de meios para se conseguir o dinheiro em estado puro já encontra justificação em si mesma. Nos dias atuais, a preparação para a guerra se mostra constante e interrupta para sua possível execução final. O sistema de guerra de execução e de preparação, como já vimos, são as características da Guerra em estado puro que, segundo o filósofo Frances Paul Virilio, precisa de se sustentar dentro de uma estrutura ideológica onde prevalece uma racionalidade de guerra, sua sacralização, e constante militarização política e social (LOTRINGER, VIRILIO, 1984, 157p).
   Atualmente ocorre a utilização do pretexto de combate ao terrorismo como forma de construir antagonismos, essa questão aprofundaremos em outros textos. É necessário que a possibilidade da utilização da guerra, como recurso, seja aceita pelas massas através dos aparatos ideológicos incluindo a utilização maciça dos recursos midiáticos de propaganda. A combinação das idéias de Santos e Virilio se fundem quando consideramos a força do dinheiro no mercado globalizado atual, e na forma como ele é empregado, para o incremento dos meios de destruição e a ampliação e desenvolvimento tecnológico constante dos armamentos. A crítica de Milton Santos ao mercado atual levanta questões sobre os avanços tecnológicos atuais como irreversíveis, mas que se transformaram em sistemas de opressão agora sob o comando do mercado globalizado. A noção de direito humano como exercício de cidadania, ou seja, o direito a saúde, educação, habitação, segurança entre outros indispensáveis ao cidadão é substituído pelo acesso aos padrões de consumo de coisas, artefatos, objetos, sempre hierarquizados. Santos associa a um ‘’império dos objetos’’ que, segundo suas análises, começou a ganhar força após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) sendo nesse período o início do avanço desse modelo de globalização atual intensificando após o final dos anos de 1980.
  Como já estudamos, é durante a Segunda Guerra Mundial o surgimento do Complexo Industrial Militar nos EUA. Esse complexo atendeu as necessidades da produção de guerra, mas não seria desmontado após o final do maior conflito militar da história, ele passa a direcionar o mundo todo á um novo modelo político pautado, como já estudamos, no exterminismo e na ampliação da máquina militar. O sistema de produção de guerra acompanhou o desenvolvimento do mercado atual. Assim como o mercado neoliberal busca a sua justificação pela ditadura do ‘’dinheiro em estado puro’’, o complexo industrial militar também necessita se justificar na ‘’Guerra Pura’’ para continuar a existir, ou seja, no culto a guerra altamente tecnológica e na sua logística. Quanto à sociedade civil, essa precisa ser cada vez mais militarizada e, teoricamente, segundo Virilio, já somos todos ‘’soldados civis’’. O que se observa na atualidade não é apenas a atmosfera de medo, mas o que fica mais evidente, além desse medo generalizado, é o não desenvolvimento da sociedade civil e a sua colonização, o que estudaremos em outros textos.   
Referências Bibliográficas:
SANTOS, MILTON. Por uma Outra Globalização. Editora Record. Rio de Janeiro, 2009, 174p.
 VIRILO, PAUL; LOTRINGER, SYLVERE. Guerra Pura – A militarização do cotidiano. Editora Brasiliense. São Paulo, 1984. 158p.
Foto: Democracia & Política. Disponível em: http://democraciapolitica.blogspot.com.br/2012/01/obama-anuncia-guerra-nas-entrelinhas.html. Acesso em 20/11/2012.

  




segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Velocidade Hegemônica e Destruição




‘’No centro da máquina de guerra mundial, em movimento veloz, palpita um coração artificial – a tecnologia’’. Laymert Garcia dos Santos.
    Na atual fase do capitalismo, a humanidade passa por um processo de constante aprimoramento dos meios técnicos e científicos com o extraordinário avanço das redes de comunicação e informação, inserindo o mundo dentro do sistema global comandado pelas políticas neoliberais disseminadas, com maior velocidade, a partir do final dos anos de 1980. Os territórios são invadidos pela velocidade dos fluxos de mercado sempre eficientes submetendo culturas e impondo diferentes formas de consumo e hábitos que, muitas vezes, não condizem com a realidade de um território ou região. Sem dúvida que a velocidade é um vetor da expansão capitalista atual. No entanto, essa velocidade não ocorre da mesma forma em todos os lugares e, muitas vezes, nem aproxima os povos e sim, como veremos a seguir, apenas alguns atores hegemônicos consegue dominar a velocidade e impor a sua lógica e poder e os demais se submetem aos seus comandos se tornando passivos diante da hegemonia daqueles que detém o domínio da velocidade e, conseqüentemente, do próprio poder político.
    A enorme crise econômica que afeta o mundo capitalista neoliberal, no período atual, não significou a diminuição da influência do gigantesco complexo industrial militar mundial comandado pelas grandes corporações. Muito pelo contrário, os EUA continuam a ampliar a sua máquina de guerra arrastando outras nações como China e Rússia a fazer o mesmo. Com o aumento da capacidade da máquina de guerra chinesa, em resposta aos EUA, outras nações de grandes contingentes populacionais miseráveis, como a Índia e o Paquistão, provavelmente farão o mesmo (CHOMSKY, 2009, p.09-48). Esse movimento demonstra a grande velocidade da máquina de guerra mundial que aparenta ser imune as grandes crises. Enquanto os governos, em conjunto com as corporações, desenvolvem mais armas altamente tecnológicas com grande velocidade, a população padece com cortes nos gastos sociais e com o aumento dos impostos. Mas como entender essa realidade em que um setor se desenvolve constantemente mesmo em período de grave crise econômica o que, teoricamente, se exige maior gestão das finanças internas e externas dos países? Para o geógrafo brasileiro Milton Santos, a globalização neoliberal atual acelerou o processo de expansão contínua e interrupta da técnica e das máquinas. No entanto, apenas algumas pessoas, firmas e instituições conseguem ser altamente velozes em todo o tempo e a maior parte da humanidade produz, vive e circula de outra maneira, ou seja, de forma muito mais lenta e atrasada (SANTOS, 2009, p.121-122).
   Sem dúvida que algumas das empresas e instituições que utilizam da maior velocidade, citadas por Santos, são as corporações do setor armamentista e as forças armadas das grandes potências. Os incrementos dos meios de destruição prosseguem com 38 grandes corporações dos EUA produzindo e comercializando 60% dos armamentos do planeta  abastecendo as forças militares do país nas guerras e mobilizações bélicas ao redor do mundo (CHOMSKY, 2009, p.09-48). Enquanto se amplia a tecnologia com grande velocidade na produção de novos armamentos, outros mais ultrapassados são fabricados para atender ao mercado de exportação de armas de acordo com a lógica da divisão internacional do trabalho, o que ainda estudaremos em outro texto. Para Santos, o uso extremo da velocidade acaba por ser o imperativo das empresas hegemônicas e não das demais, e as políticas dessas empresas acabam arrastando a política dos estados e das instituições supranacionais. No período da globalização atual, as exigências da competitividade obrigam o aumento da velocidade e assim prevalece quem tem uma técnica maior e, conseqüentemente, uma velocidade maior, ou seja, uma técnica hegemônica e uma velocidade hegemônica (SANTOS. 2009, p.123-124).
   Milton Santos destaca que as eficácias da velocidade hegemônica não provem da técnica subjacente e sim da natureza política e do sistema socioeconômico político em ação. O neoliberalismo acelerou o processo de submissão da política, o que, segundo o filosofo Frances Paul Virílio, não há um poder político que possa regular as multinacionais ou as forças armadas que gozam de autonomia cada vez maior. Dessa forma, devemos relacionar a técnica com a política para entender o movimento das ações atuais e atribuir novas possibilidades para o futuro. Se, como já estudamos, ocorre uma monopolização da tecnologia de ponta ao setor militar, observamos então que a supremacia da máquina de guerra consiste na submissão do Estado e na submissão da política passando a servir aos atores hegemônicos ligados ao seu desenvolvimento (LOTRINGER, VIRILIO, 1984, p.49-56).
  Mas porque a política se tornou tão submissa? Onde, nessa perspectiva neoliberal, se encontra a política? Segundo Milton Santos, na globalização neoliberal a política foi substituída pela política das empresas atribuindo a morte da política, pois a política deve obedecer a um conjunto e não a individualidade e o que se observa, no neoliberalismo, é totalmente o contrário. As empresas, sedentas de lucros, não têm obrigações pelo conjunto e sim com elas mesmas. No setor armamentista, em constante desenvolvimento, a importância que alguns estados concedem a produção da destruição inviabilizam o entendimento que o maior inimigo de suas sociedades é muito mais interno do que externo. Segundo Virílio, o inimigo é o próprio amamento e o próprio poderio científico que promove o fim da sociedade humana. A alienação vem como conseqüência desse processo de velocidade, pois a velocidade despoja a sociedade de si mesma. O próprio trabalho é suplantado pela produção da destruição e não se trata apenas de produzir mais depressa e sim da capacidade de destruir mais depressa (LOTRINGER, VIRILIO, 1984, 157p). A humanidade perdeu o controle do que a sua própria tecnologia esta produzindo, e o que é pior, a solidariedade entre os povos se esvazia favorecendo a perpetuação do recurso das armas e da guerra nas sociedades humanas. O esvaziamento da política é caminho aberto para as hostilidades e a violência entre os povos. A solução é trazer o homem para o centro do controle da política e da técnica, conceder e devolver a devida importância a humanidade, o que estudaremos em outro texto.
Referências:
-CHOMSKY, NOAM. Estados Fracassados – O abuso de poder e o ataque a democracia. Editora Bertrand Brasil. Rio de Janeiro, 2009, 349p.
-SANTOS, MILTON. Por uma Outra Globalização. Editora Record. Rio de Janeiro, 2009, 174p.
- VIRILO, PAUL; LOTRINGER, SYLVERE. Guerra Pura – A militarização do cotidiano. Editora Brasiliense. São Paulo, 1984. 158p.
Foto: Arte da fotografia. Jato lançando mísseis. Disponível em: http://fotos.fot.br/page_img/10168/jato_lancando_misseis, acesso em 07/10/2012.
 

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Valsa com Bashir e a Sombra de Sabra e Chatila




‘’Tudo o que Israel tem feito nos últimos cinqüenta anos não é, claro, conseguir sua segurança’’.Edward.W.Said

   Nos textos anteriores levantamos alguns questionamentos sobre a tecnologia militar, a supremacia da maquina de guerra e o, conseqüente, declínio da política. As relações do poder militar tecnológico com o sistema global neoliberal atual ainda discutiremos em outros textos. No texto desse mês, não poderia deixar de relembrar um episodio trágico e brutal ocorrido em 1982 para levantarmos algumas questões sobre a situação atual dos israelenses e palestinos. No dia 16 de setembro completará os trinta anos dos massacres ocorridos nos campos de refugiados palestinos de Sabra e Chatila em Beirute, capital do Líbano, durante a invasão e a ocupação israelense do país naquele ano. Há muito tempo esquecido pela comunidade internacional, esse massacre foi considerado um ato de genocídio, mas ninguém foi julgado ou condenado por nenhum tribunal internacional. Em 2009 coube ao israelense Ari Folman, diretor e produtor de filmes, trazer a tona as lembranças dos terríveis massacres de civis palestinos ocorridos naquele conflito. Ex- combatente israelense nessa guerra, Folman produziu o filme documentário em animação ‘’Valsa com Bashir’’ que relata a invasão do Líbano do ponto de vista de vários israelenses participantes do conflito. O filme é um importante documento histórico, e em certo momento o israelense faz uma relação dos massacres dos palestinos, ocorridos nos campos, com o massacre dos judeus pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). O diretor israelense levanta uma reflexão moral sobre os eventos ocorridos naquele ano de 1982 os quais, na época, provocaram forte indignação até entre boa parte da população israelense.
    Parte da história da guerra é relatada no filme documentário. Os fatos narrados terminam na consumação do massacre com fortes cenas reais. No dia 16 de setembro de 1982, os milicianos cristãos da Falange (grupo guerrilheiro que combatiam a guerrilha muçulmana), aliados de Israel, invadiram os campos de refugiados palestinos para, supostamente, procurar terroristas que alegavam estar escondidos no local. A área estava sobre o controle das forças israelenses e permitiram a invasão dos milicianos mesmo não havendo mais combatentes palestinos nos campos e somente a população civil. O que se seguiu foi um episodio cruel e macabro. Durante mais de 50 horas, os milicianos barbarizaram os civis palestinos indiscriminadamente. Relatos dos sobreviventes e de jornalistas que conseguiram, posteriormente, adentrar nos campos dão conta do horror. As execuções sumárias foram acompanhadas de mutilações, decapitações e estupros. Homens tiveram ferimentos em forma de cruz cravados no abdômen, crianças, idosos e até bebês foram mortos a tiros ou a facadas. O numero de palestinos mortos nunca foi totalmente contabilizado, mas podem ter ultrapassado os três mil e quinhentos.
     A barbárie ocorreu como consumação de um plano de vingança pelo assassinato do líder dos cristãos Bashir Gemayel, ocorrido cinco dias antes. Os milicianos atribuíram as suspeitas (Nunca confirmada) a terroristas palestinos. A omissão das forças israelenses diante das atrocidades ficou evidente, inclusive, mantiveram os campos iluminados a noite por artefatos luminosos para os milicianos completar seus ‘’trabalhos’’ e tinham ampla visão do que ocorria na área. Os comandantes israelenses sabiam da ocorrência de um massacre, mas nada fizeram para evitar a barbárie denunciado no próprio documentário produzido por Folman. Os eventos ocorridos provocariam a demissão do ministro da defesa Ariel Sharon considerado o arquiteto da invasão do Líbano e comandante das forças israelenses estacionadas em Beirute. Ninguém foi condenado ou mesmo julgado por crimes contra a humanidade e a tragédia permaneceu impune (MONTENEGRO, 2012). Os penalizados por essa desastrosa invasão (Além de potencializar o sofrimento dos palestinos) seria a própria sociedade civil israelense.

    Israel é um país que, ao longo de sua historia, desenvolveu uma formidável maquina de guerra possuindo a melhor força aérea do mundo, um exército poderoso e moderno além de um arsenal de armas nucleares de, aproximadamente, 200 ogivas. A invasão do Líbano alcançou seu principal objetivo que era aniquilar ou expulsar a Organização para Libertação da Palestina – OLP do Líbano, mas para atingir seu outro objetivo de instalar um governo cristão no país, com o apoio dos EUA, culminou em completo fracasso. Ao utilizar o recurso militar contra a OLP, Israel deixou de lado a opção diplomática sendo retomada em 1993 com o acordo de paz de Oslo. O acordo acarretaria no reconhecimento mútuo entre ambos a OLP e Israel, e a concessão de autonomia das autoridades palestinas sobre a faixa de gaza e parte da Cisjordânia. Como se observa, os desastres e massacres em Sabra e Chatila poderiam ter sido evitados pela diplomacia no lugar da opção militar. Apesar do fracasso prático desse acordo ele significou, ao menos, a presença de uma possibilidade de conciliação entre os dois povos (BARSAMIAN, SAID, 2006, 227p).
   Essa conciliação, ainda possível, é defendida pelo intelectual palestino Edward. W. Said. Said vai além de defender a ideia da formação do Estado palestino, ele propõe um estado bi-nacional através de uma conciliação no modelo que acabou com o regime do Apartheid na África do Sul. Essa realidade parece distante na medida em que Israel, através de seus dirigentes conservadores, ainda deposita a confiança na sua poderosa máquina de guerra. Segundo Said, Israel é um estado suicida seguindo nessa mesma trajetória política. A invasão do Líbano em 1982, e a expulsão da OLP, provocaram a união entre milícias muçulmanas xiitas que estavam desorganizadas. Naquele mesmo ano surge o Hezbollah e, segundo o seu líder atual Hassan Nasrallah, dificilmente o grupo teria surgido se não fosse à invasão israelense. O Hezbollah inaugurou a tática poderosa do emprego dos ‘’voluntários da morte’’, mais conhecidos como Homens Bombas, na região. Após explodir as forças dos EUA e da França, que estavam instaladas no país sob a bandeira das Nações Unidas em 1983 e provocar suas retiradas, o grupo passou a combater e a tornar insustentável a presença das forças israelenses no Líbano diante da opinião publica do país. Israel acabou por se retirar para o sul do país em 1985, e completou sua retirada total do Líbano em 2000 (BARSAMIAN, SAID, 2006, 227p).
  Atualmente é evidente que, após os resultados da guerra entre Israel e o Hezbollah em 2006, Israel pagara um preço muito alto por uma guerra ou invasão em larga escala do Líbano. O Hezbollah multiplicou seus contingentes e estoques de mísseis e armas próximos a fronteira de Israel, e existe o temor considerável que o grupo se arme com um arsenal de armas ainda mais poderosas (Como armas químicas e biológicas) podendo ser utilizadas contra Israel em um conflito futuro. Quanto aos palestinos, Israel ainda insiste em mante-los sobre estado de sítio, mas por quanto tempo? Segundo Said, em 2030 haverá o dobro de árabes do que judeus no Estado de Israel. Sendo assim, seria muito improvável que o pais poderia continuar a manter essa política baseada no uso da força de acordo com o modelo do Apartheid na África do Sul. Nem mesmo naquele país sul africano, com um território vinte vezes maior do que Israel, isso foi possível. Não há outra opção para Israel a não ser negociar a paz real, pois não se pode impor uma paz do mais forte sobre o mais fraco por muito tempo. Agregado a isso, se utiliza de um sistema semelhante ao empregado pelas elites do nordeste brasileiro para o domínio da população civil – a pobreza (70% dos palestinos sobrevivem com o equivalente a dois dólares por dia). A situação de miséria constitui o maior obstáculo para qualquer possibilidade de paz, e estimulam muitos palestinos a resistir com os meios que possuem como única opção possível (BARSAMIAN, SAID, 2006, 227p).
   Quanto ao massacre de Sabra e Chatila, a história demonstra que, mesmo permanecendo impune, as conseqüências dessas ações estão hoje presentes despertando reflexões sobre os direcionamentos políticos possíveis para o futuro. O israelense Ari Folman além de nos apresentar uma reflexão moral sobre os massacres, mostra a guerra do Líbano em todo o seu horror. Valsa com Bashir é um filme diferente de outros, pois, segundo Folman, mostra a guerra em uma dimensão real diferente de muitos filmes de guerra dos EUA, onde se mostra os horrores da guerra, mas que todos acabam considerando o soldado do filme legal, companheiro, honrado e herói e não existe nada disso numa guerra. Na guerra existe o horror e nada mais. Quanto a Israel, o país existe como nação. Mesmo que muitos árabes não o reconheçam Israel existe, é uma realidade. É evidente que buscar o reconhecimento necessário para garantir a paz em Israel dependera de sua política e não de sua maquina de guerra. Os israelenses não podem continuar a entregar o seu futuro político nas mãos da truculência conservadora de líderes como Ariel Sharon. Mas o mais importante é reconhecer que muitos israelenses, como Folman, reconhecem que há outras possibilidades possíveis que não seja o flagelo da guerra. Como afirma Edward Said: ‘’Mais israelenses tem entendido que Israel, apesar de sua enorme força militar-econômica e poder político, esta mais sem segurança do que nunca’’ (BARSAMIAN, SAID, 2006, p.87).
  Mas qual é a solução? Sabemos que o Oriente Médio não esta reduzido a guerras e conflitos. Trata-se de uma região com enormes diversidades e riquezas culturais. As culturas árabes e judaicas são patrimônios da humanidade. Ambos os povos podem ser superiores as políticas belicosas disseminadas e exacerbadas pelos interesses do grande capital global e amparadas pela grande mídia. As perspectivas para a paz deve se direcionar a superação dessa política hostil que atrofia o desenvolvimento de toda a região. No entanto, Israel continua com sua atitude suicida, ou seja, cercado de inimigos e ameaçando ampliar as hostilidades com as ameaças de ataque ao Irã, mesmo com a escalada do conflito na Síria podendo desestabilizar e ampliar os riscos políticos na região. Suicida por que os inimigos de Israel já provaram estar dispostos a lutar até a morte. Mas Israel ainda tem chances de começar a construir a paz efetiva. Muitos israelenses pensam diferente e isso deve ser entendido por todos, mas é necessário uma mobilização popular para que as mudanças possam ocorrer em qualquer parte do mundo. Os israelenses podem decidir em continuar a viver em fortificações ou a trabalhar pela paz, antes que Israel pareça ser um lugar que se possa afirmar ser insuportável viver. 

 Referencias:
- BARSAMIAN, DAVID; SAID, EDWARD.W. Cultura e Resistência. Ed. Ediouro. Rio de janeiro, 2006, 227p. 
- Folha On Line. Carolina Montenegro. Massacre de palestinos no Líbano completa 30 anos sem punições.Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/1156808-massacre-de-palestinos-no-libano-completa-30-anos-sem-punicoes.shtml. Acesso em 21/09/2012.
 
- VALSA COM BASHIR (VALS IM BASHIR). Direção: Ari Folman. Produção: Serge Lalou, Ari Folman, Roman Paul, Yael Nahlieli, Gerhard Meixner. 2008. 90 min. Color. Trailler : http://www.youtube.com/watch?v=Ak_2NWhr_g4,
Fotos:
- Fime, documentário,  disponível em: http://blog.meiapalavra.com.br/2012/03/20/valsa-com-bashir-ari-folman-e-david-polonsky/. Acesso em 30/08/2012.
- Massacre.http://rebstein.wordpress.com/2007/09/16/per-non-dimenticare-sabra-e-chatila/. acesso em 30/08/2012.