terça-feira, 21 de outubro de 2014

O Teatro dos Horrores



  ‘’A violência é gerada por aqueles que dizem desejar combate-la’’. Milton Santos.

''A mais perigosa criação no mundo, em qualquer sociedade, é um homem sem nada a perder''. Malcolm X.


 No momento histórico atual, os EUA e seus aliados ocidentais, e no Oriente Médio, coordenam mais uma campanha de ataques diretos no Iraque e, também, na Síria. Os bombardeios são para acabar com a milícia radical conhecida como o Estado Islâmico – EI. A mídia informa que os bombardeios podem não ter data para terminar, e as ações continuarão até que o cenário político na região seja alterado com a possível derrota dos milicianos. No teatro de horrores instaurado no Oriente Médio, a partir da messiânica ‘’ Guerra ao Terror’’ desencadeada pelo governo de George. W. Bush a partir de 2001, esse parece ser apenas mais um trágico capítulo. As atrocidades cometidas pelos milicianos, contra outros grupos e povos na região, evidenciam que não há limites para a violência que se intensificou no Oriente Médio praticada por ambos os lados no conflito. No entanto, as execuções sumárias de opositores capturados pelo EI, o que inclui jornalistas ocidentais sequestrados como reféns, com fuzilamentos, torturas e decapitações gravadas em vídeo, são exibidas a exaustão pelos órgãos de imprensa. Essas atrocidades se transformaram em excepcionais propagandas para o convencimento da população do ocidente a apoiar as ações que se seguem. Evidentemente que a maioria do público condena os assassinatos sumários, o que inviabiliza as chances de uma análise mais aprofundada sobre a realidade geopolítica do Oriente Médio.
    O projeto imperial desencadeado pelos EUA com o objetivo de abrir o campo para a exploração desenfreada e sem limites dos recursos naturais da região, pelas corporações ocidentais, é mais do que uma campanha sanguinária. Esse projeto revela ao mundo a nova junção das velhas políticas imperialistas combinadas a uma doutrina de autodefesa disfarçada de ‘’ guerra preventiva’’. Todas essas ações seguem os mesmos métodos e propósitos, como afirma o intelectual estadunidense Noam Chomsky em ‘’ Ambições Imperiais ‘’ os inimigos devem ser fracos o suficiente para não conseguir reagir a agressão à altura, devem oferecer o menor risco possível de um contra-ataque contra as forças ocidentais. O poder avassalador das armas de última geração ocidentais devem ter total liberdade de utilização – ‘’os inimigos devem ser submissos o suficiente  para ser avassalados pela maior força militar da história humana. Mas mesmo sendo fracos eles devem ser temidos e considerados perigosos e sempre capazes de realizar ataques terroristas contra o ocidente onde ninguém estará seguro, e as populações devem acreditar nas fantásticas ameaças dos terroristas a sua segurança’’ (BARSAMIAN,CHOMSKY, p.13,2006). Enquanto rios de sangue correm na Síria e no Iraque, as campanhas de propaganda nos meios de comunicação ocidentais estão sempre agressivas e atuantes e, como sempre se espera, as campanhas de bombardeios são tratadas com naturalidade.
    O extremismo islâmico nunca esteve tão forte como nos dias atuais, ele se multiplicou após as intervenções militares ocidentais no Oriente Médio a partir de 2001. Essas intervenções submeteram a Síria, Iraque e Líbia à uma similaridade com o Líbano nos anos de 1970 e 1980. Ambos os países estão fragmentados em zonas controladas por facções armadas em conflito. Essas facções são apoiadas externamente por outros países que possuem interesses estratégicos na região. A diferença é que esses novos Líbanos são muito maiores e envolvem uma população de, aproximadamente, 70 milhões de pessoas. A destruição desses países ocorre em larga escala, cidades inteiras estão arrasadas, a infraestrutura seriamente comprometida e os serviços básicos a população em total colapso. Grande parte das populações desses países estão entregues a miséria absoluta. Os poucos e parcos recursos que restam são, na maioria, utilizados para atender aos esforços de guerra. Nesse cenário, o extremismo se prolifera, ele é alimentado pela intensificação da pobreza da população. Muitos buscam no fundamentalismo uma forma de adquirir esperança contra as tragédias, as humilhações sofridas e as perdas irreparáveis.
   As atrocidades que se intensificam no Oriente Médio não se diferem do que ocorrem em outras regiões da terra a décadas. Exemplo da África Subsaariana  marcada por guerras intermináveis, genocídios e limpezas étnicas. No entanto, ainda segundo o intelectual estadunidense Noam Chomsky – ‘’O Oriente Médio assumiu, após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a posição de maior fornecedor energético do mundo e espera-se que continue assim por mais uma geração. No caso do Iraque, as reservas de petróleo do país é a segunda maior do mundo, o seu óleo é acessível e barato, se você controlar o Iraque, estará em muito boa posição para decidir os preços e controlar os níveis de produção’’ (BARSAMIAN,CHOMSKY, p.15,2006). A diferença das intervenções militares ocorrerem no Oriente Médio e não ocorrer em outros países, que estão a muito mais tempo conflagrados, é esses territórios se localizarem sob mares de petróleo. A destruição desses países, permitirão, futuramente, uma exploração ainda mais favorável desse potencial energético na região pelas grandes corporações, pois os países destruídos irão negociar seus recursos a preços ainda mais acessíveis para reconstruir o que foi destruído e arrasado pela guerra, aliás, já existem empreiteiras estrangeiras ocidentais lucrando alto atuando na reconstrução do que restou do Iraque após a invasão de 2003.
    Diante do caos político, os milicianos, e os governos envolvidos, encontram justificativa moral para o barbarismo. As milícias radicais, como o EI, possuem uma fonte de recrutamento permanente em meio aos escombros da Síria e do Iraque. Os bombardeios, evidentemente, não serão suficientes para derrota-los. É imprevisível os planos estratégicos da democracia perversa para esse conflito, mas é pouco provável que arriscarão envolver suas tropas terrestres para ‘’libertar’’ as cidades iraquianas e sírias do EI. Os estrategistas ocidentais sabem o que significa o chamado ‘’Efeito Stalingrado’’. O que aparenta ser mais plausível para os ocidentais é, no momento atual, continuar com os bombardeios e abarrotar a região com armas, distribuindo-as aos grupos aliados. Armas que não tardarão a cair nas mãos do EI e de outros grupos radicais. Em meio a todo esse lodaçal, o teatro dos horrores permanece com a propaganda midiática colocando os ocidentais, em especial os EUA, como ‘’ libertadores’’, aqueles que foram delegados da nobre missão de salvar a região de um inimigo perigoso e cruel.
   No meio desse conflito se encontra a infeliz população civil. Como já nos referimos em outros textos, 90 % das vítimas das guerras atuais são civis. A incompreensão da cultura do Oriente Médio pelos ocidentais, resulta na produção de inúmeras vítimas e na arregimentação de inúmeros inimigos. O EI é resultado dessa trágica incompreensão, mas que contribui para impulsionar o movimento veloz da máquina de guerra mundial, altamente tecnológica. Quanto a população civil, continuará a resistir entre as ruínas das cidades destruídas onde a luta pela sobrevivência é diária. Muitos civis vão se submeter as condições indescritíveis dos campos de refugiados (4 milhões de sírios já estão refugiados nos países vizinhos). Muitos ampliarão as fileiras dos grupos radicais, pois, como já nos referimos, o radicalismo e o fundamentalismo traz esperança, restam poucas alternativas para eles diante da devastação ocasionada pelo Terrorismo de Estado, o que estudaremos em outro texto. Tragicamente muitos se simpatizam, e simpatizarão, com a causa dos radicais e seu sonhado califado, pois as chances de se simpatizarem pelos ocidentais são, lamentavelmente, poucas ou nulas.
Referências:

BARSAMIAN, DAVID; CHOMSKY, NOAM. Ambições Imperiais. Ed. Ediouro. Rio de Janeiro. 2006, 196 p.

domingo, 17 de agosto de 2014

A PAZ DESPREZADA




‘’Vejo construir-se um mundo, do qual, ai de mim, não é exagero afirmar que o homem não pode viver nele; nele poderá viver, mas na condição que seja sempre menos homem’’. Georges Bernanos.

     Inicio esse texto com a mensagem de apelo, de julho de 1955, elaborada por Bertrand Russel e Albert Einstein e apresentada por Noam Chomsky no primeiro capitulo de ‘’Estados Fracassados’’. A  mensagem pede que os povos do mundo pusessem de lado seus fortes sentimentos a respeito de uma série de questões e se vissem ‘’exclusivamente como membros de uma espécie biológica que traz consigo uma história extraordinaria e cujo desaparecimento ninguem pode desejar’’. Mas, como afirma Chomsky, o dilema para a humanidade é claro, aterrador e incontornável: poremos fim a espécie humana ou a humanidade renunciará a guerra? O mundo não renunciou a guerra. Muito pelo contrário, Noam Chomsky destaca a posição da potência hegemonica global em sua doutrina da ‘’autodefesa antecipada’’ sem limites de imposição sobre o mundo, da qual é, pelos EUA, aplicada desrespeitando o direito internacional e as regras e tratados da ordem mundial. Estamos presenciando um mundo cada vez mais tomado pela violência. As desastrosas invasões implementadas pelos EUA e Grã-Bretanha no Iraque e no Afeganistão, e a intervensão direta na Líbia e indireta na Síria, desestabilizou toda uma região que esta tomada pela barbárie causando uma enorme catástrofe humanitária (CHOMSKY, p.9-94, 2009).

    O fracasso dessa política militarista é evidente e incontestável. Os EUA agora estão sendo obrigados a voltar a intervir no Iraque de forma direta para tentar impedir o avanço do radicais islamicos sunitas do Estado Islamico do Iraque e do Levante – ISIL, considerados mais radicais do que a Al Qaeda, que estão promovendo grandes massacres da população xiita, curda e até dos sunitas que não aderem as suas leis e regras religiosas. A desestabilização do Iraque, depois da invasão dos EUA e Grã-Bretanha em 2003, pode ter chegado a um ponto irreversível. Os radicais dominam um grande número de cidades do país e, nessa perpectiva, só uma intervensão militar em larga escala pode devolver a uma possível ‘’normalidade’’ politica ao país. A situação do Iraque se deve, também, ao projeto geopolítico implementado na Síria para derrubar o governo do país, aliado do Irã, o que fortaleceu o poder dos grupos radicais que formaram um califado islâmico reunindo territórios tomados do Iraque e da Síria.

   Por outro lado, Israel segue em sua campanha terrorista imposta contra os palestinos em Gaza, não bastando a miséria a que já são submetidos. A política suicida de Israel continua e, aparentemente, parece que o país não consegue se dar conta do que esta se formando ao seu redor. Os israelenses seguem confiantes no ‘’escudo protetor’’ de sua formidável máquina de guerra, como se o país se localiza-se no Arizona ou no Texas. O fracasso da política militarista, como solução para assuntos internos e externos, evidencia o próprio fracasso dos Estados em trabalhar por uma paz efetiva e, dessa forma, nada parece ser feito para poupar gerações inteiras do flagelo da guerra. A solução bélica pode fortalecer a máquina de guerra e desvalorizar a política dos Estados, como afirma Paul Virilio. E esse mesmo Estado passou a ser o terrorista, aquele que se preprara, insensantemente, para a guerra como uma garantia para a paz, e que utiliza seus aparatos bélicos como uma extensão da sua diplomacia. Essa combinação tem se revelado ao mundo que o terror de Estado, e outras ameaças do uso da força, além de terem causado  imensos sofrimentos e destruição, tem por vezes levado o mundo a beira do desastre. A sombria atmosfera de morte e caos no Iraque, Síria, Afeganistão, Palestina, Líbia e a ameaça de conflagração da Ucrânia, continua e continuará a consumir inúmeras vidas e o que isso reserva para a humanidade ainda é incerto. É evidente que haverá um alto preço a ser pago por tudo isso.

   A paz segue desprezada porque essa depende da negociação política, e enquanto a política for dominada pela máquina de guerra não haverá espaço para salvar a humanidade dos hediondos crimes que continuam a ocorrer nesse início de século. Não haverá espaço para salvar os seres humanos da maldição da guerra (CHOMSKY, p.94, 2009). A herança catastrófica do imperialismo europeu do séc. XIX e XX, ainda recai sobre regiões inteiras da África e da Ásia (Especialmente, o Oriente Médio), condenando enormes contingentes a guerras intermináveis, a desarticulação política e a miséria absoluta. É evidente que o imperialismo continua em sua nova configuração sob os lodaçais de violência. O radicalismo dos grupos conservadores ocidentais, condutores da nova ordem corporativista neoliberal, prossegue como uma doutrina messiânica sobre o mundo. A consequência para a humanidade é a continuação das resistências culturais na forma de novos radicalismos do outro lado. Se os radicais do ocidente derrotarem os radicais do Iraque, Afeganistão, Gaza, etc, outros ainda mais radicais os substituirão. O que a maioria do público desconhece é como isso se faz necessário ao estabelecimento dessa ordenação global fundamentada na perpetuação da crise bélica pela preparação, execução e, também, pela estética da guerra, o que estudaremos nos próximos textos.

REFERÊNCIAS:

- CHOMSKY, NOAM. Estados Fracassados. O Abuso de Poder e o Ataque a Democracia. Claro aterrador e incontrolável. Editora Bertrand Brasil. Rio de Janeiro, p.09-48. 2009.

- LOTRINGER, SYLVERE; VIRILIO, PAUL. Guerra Pura. Ed. Brasiliense. São Paulo, 157p. 1984.

IMAGEM: FARIA, RICARDO DE MOURA; MARQUES, ADHEMAR MARTINS; BERUTTI, FLÁVIO COSTA. Construindo a História. Editora Lê. Belo Horizonte, p.149. 1988.