‘’Os
canhões traduzem o argumento final do dinheiro’’. Stephen Spender
Nos textos anteriores abordamos a política
e suas relações com o crescimento e a manutenção dos investimentos militares. O
que se evidencia até agora em nossos estudos é a situação de submissão cada vez
maior da política aos atores hegemônicos representados por setores das
grandes corporações e algumas instituições supranacionais. Evidenciamos, também, a militarização da política e seu esvaziamento diante da
supremacia da maquina de guerra transformando os sistemas de armas em agentes
políticos. Continuando as abordagens quanto ao processo de globalização atual,
dentro da lógica neoliberal, percebemos uma atmosfera de medo se tornando onipresente na vida política e social dos povos. Segundo o geógrafo Milton
Santos, a força e a violência do dinheiro na atualidade são os propulsores
para a supremacia de uma nova ordem global comandada pela tirania do mercado sob
a doutrina do consumismo exacerbado e sem limites, o que ele denomina como
sendo o ‘’dinheiro em estado puro’’ (SANTOS, 2009, p.55-58).
O dinheiro em sua forma pura dissemina o medo
de forma generalizada como força de dominação ideológica. A necessidade de ter
dinheiro, e mais dinheiro, para o consumo intenso se torna um regulador da
vida social acompanhado pela competição desenfreada e continua entre os indivíduos. O medo de não ter dinheiro suficiente é um dos pressupostos para as hostilidades e conflitos intensificando a violência em
todos os âmbitos internos e externos das nações. Quem não consegue se adequar a
esse sistema é selecionado e excluído, e isso atinge tanto os indivíduos como
as próprias nações que devem competir intensamente para se adaptar a esse
padrão. Os interesses econômicos, dentro
dessa realidade, se tornam prioritários não importando a forma para alcançá-los,
pois o medo prevalece sobre as possibilidades de não superar as crises e
recessões, de não alcançar o crescimento econômico necessário, de não ser
aceito dentro dos padrões exigidos pelo mercado neoliberal. Dessa forma, as
empresas ganham cada vez mais força juntamente com suas políticas. O estado, ao
mesmo tempo em que diminuiu diante dessa lógica e se enfraquece para cumprir
sua função política, econômica e social, é fortalecido para atender as
exigências do mercado. Santos atribui esse fenômeno a um conjunto de práticas
totalitárias ou, o que ele define, um ‘’Globalitarismo’’ vigente na atualidade onde prevalece a supremacia de um mercado homogeneizador disseminando o medo
como poder dominante sobre a sociedade. Esse medo consiste no medo do desemprego,
medo da fome, medo da violência, medo do outro, enfim a essência de tudo é o
medo (SANTOS, 2009, p.53).
Nesse processo de expansão do mercado global
atual, a violência se expande continuamente sem controle. As recentes guerras e
as atuais, muitas envolvendo os interesses ocidentais, são combinações de
interesses econômicos e geoestratégicos que, muitas vezes, objetivam explorar
ou romper as fronteiras ainda existentes à lógica do capital neoliberal. Em
um momento que assistimos a guerra civil na Síria se transformar em uma carnificina
terrível, observa-se as ingerências externas nesse conflito como um jogo entre
forças políticas para instaurar governos colaboradores aos interesses
corporativos. O que ocorreu no Iraque e na Líbia agora se volta contra a Síria sendo provável que a situação caminhe para uma catástrofe muito maior. Os
esforços incessantes para ampliar a política das grandes corporações e defender
seus interesses em todos os setores e, principalmente, no comércio de armas e
nas explorações de fontes de energia, como o petróleo, constituem alguns dos
elementos que justificam a utilização direta e indireta da força demonstrando
uma competição intensa para proteger os interesses corporativos privados de
algumas nações. Enquanto isso, conflitos transcorrem sem a ingerência ou interferência externa onde não há interesses corporativos, como na República
Democrática do Congo o qual já provocou cinco milhões de mortes.
Através da utilização desses mecanismos, se
objetiva competir e manter a supremacia dessa nova ordem econômica e política para
justificar a expansão do mercado atual. As evidências desse fenômeno se
observam na atuação da mídia ocidentalizada com relação aos conflitos aqui
citados. Tudo isso faz parte do jogo político ideológico para a obtenção do
dinheiro em estado puro que não obedece a responsabilidades. Como afirma
Milton Santos: ‘’Para exercer a
competitividade em estado puro e obter o dinheiro em estado puro, o poder (a
potência) deve ser também exercido em estado puro. O uso da força acaba se
tornando uma necessidade. Não há outro telos, outra finalidade que o próprio
uso da força, já que ela é indispensável para competir e fazer mais dinheiro;
isso vem acompanhado pela desnecessidade de responsabilidade perante o outro, a
coletividade próxima e a humanidade em geral’’ (SANTOS, 2009, p.58). Para
Santos, a busca de meios para se conseguir o dinheiro em estado puro já encontra
justificação em si mesma. Nos dias atuais, a preparação para a guerra se
mostra constante e interrupta para sua possível execução final. O sistema de
guerra de execução e de preparação, como já vimos, são as características da
Guerra em estado puro que, segundo o filósofo Frances Paul Virilio, precisa de
se sustentar dentro de uma estrutura ideológica onde prevalece uma
racionalidade de guerra, sua sacralização, e constante militarização
política e social (LOTRINGER, VIRILIO, 1984, 157p).
Atualmente ocorre a utilização do pretexto
de combate ao terrorismo como forma de construir antagonismos, essa questão
aprofundaremos em outros textos. É necessário que a possibilidade da utilização
da guerra, como recurso, seja aceita pelas massas através dos aparatos
ideológicos incluindo a utilização maciça dos recursos midiáticos de
propaganda. A combinação das idéias de Santos e Virilio se fundem quando
consideramos a força do dinheiro no mercado globalizado atual, e na forma como
ele é empregado, para o incremento dos meios de destruição e a
ampliação e desenvolvimento tecnológico constante dos armamentos. A crítica
de Milton Santos ao mercado atual levanta questões sobre os avanços
tecnológicos atuais como irreversíveis, mas que se transformaram em sistemas
de opressão agora sob o comando do mercado globalizado. A noção de direito
humano como exercício de cidadania, ou seja, o direito a saúde, educação,
habitação, segurança entre outros indispensáveis ao cidadão é substituído pelo
acesso aos padrões de consumo de coisas, artefatos, objetos, sempre
hierarquizados. Santos associa a um ‘’império dos objetos’’ que, segundo suas
análises, começou a ganhar força após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) sendo nesse período o início do avanço desse modelo de globalização atual intensificando após o final dos anos de 1980.
Como já
estudamos, é durante a Segunda Guerra Mundial o surgimento do Complexo
Industrial Militar nos EUA. Esse complexo atendeu as necessidades da produção de
guerra, mas não seria desmontado após o final do maior conflito militar da
história, ele passa a direcionar o mundo todo á um novo
modelo político pautado, como já estudamos, no exterminismo e na ampliação da
máquina militar. O sistema de produção de guerra acompanhou o desenvolvimento
do mercado atual. Assim como o mercado neoliberal busca a sua justificação pela
ditadura do ‘’dinheiro em estado puro’’, o complexo industrial militar também
necessita se justificar na ‘’Guerra Pura’’ para continuar a existir, ou seja,
no culto a guerra altamente tecnológica e na sua logística. Quanto à sociedade civil, essa precisa
ser cada vez mais militarizada e, teoricamente, segundo Virilio, já somos todos
‘’soldados civis’’. O que se observa na atualidade não é apenas a atmosfera de
medo, mas o que fica mais evidente, além desse medo generalizado, é o não
desenvolvimento da sociedade civil e a sua colonização, o que estudaremos em
outros textos.
Referências
Bibliográficas:
SANTOS, MILTON. Por uma Outra
Globalização. Editora Record. Rio de Janeiro, 2009, 174p.
VIRILO, PAUL; LOTRINGER, SYLVERE. Guerra Pura
– A militarização do cotidiano. Editora Brasiliense. São Paulo, 1984. 158p.
Foto: Democracia & Política. Disponível em: http://democraciapolitica.blogspot.com.br/2012/01/obama-anuncia-guerra-nas-entrelinhas.html. Acesso em 20/11/2012.
Foto: Democracia & Política. Disponível em: http://democraciapolitica.blogspot.com.br/2012/01/obama-anuncia-guerra-nas-entrelinhas.html. Acesso em 20/11/2012.