quinta-feira, 22 de novembro de 2012

O Dinheiro e a Guerra em Estado Puro





‘’Os canhões traduzem o argumento final do dinheiro’’. Stephen Spender

    Nos textos anteriores abordamos a política e suas relações com o crescimento e a manutenção dos investimentos militares. O que se evidencia até agora em nossos estudos é a situação de submissão cada vez maior da política aos atores hegemônicos representados por setores das grandes corporações e algumas instituições supranacionais. Evidenciamos, também, a militarização da política e seu esvaziamento diante da supremacia da maquina de guerra transformando os sistemas de armas em agentes políticos. Continuando as abordagens quanto ao processo de globalização atual, dentro da lógica neoliberal, percebemos uma atmosfera de medo se tornando onipresente na vida política e social dos povos. Segundo o geógrafo Milton Santos, a força e a violência do dinheiro na atualidade são os propulsores para a supremacia de uma nova ordem global comandada pela tirania do mercado sob a doutrina do consumismo exacerbado e sem limites, o que ele denomina como sendo o ‘’dinheiro em estado puro’’ (SANTOS, 2009, p.55-58).
  O dinheiro em sua forma pura dissemina o medo de forma generalizada como força de dominação ideológica. A necessidade de ter dinheiro, e mais dinheiro, para o consumo intenso se torna um regulador da vida social acompanhado pela competição desenfreada e continua entre os indivíduos. O medo de não ter dinheiro suficiente é um dos pressupostos para as hostilidades e conflitos intensificando a violência em todos os âmbitos internos e externos das nações. Quem não consegue se adequar a esse sistema é selecionado e excluído, e isso atinge tanto os indivíduos como as próprias nações que devem competir intensamente para se adaptar a esse padrão. Os interesses econômicos, dentro dessa realidade, se tornam prioritários não importando a forma para alcançá-los, pois o medo prevalece sobre as possibilidades de não superar as crises e recessões, de não alcançar o crescimento econômico necessário, de não ser aceito dentro dos padrões exigidos pelo mercado neoliberal. Dessa forma, as empresas ganham cada vez mais força juntamente com suas políticas. O estado, ao mesmo tempo em que diminuiu diante dessa lógica e se enfraquece para cumprir sua função política, econômica e social, é fortalecido para atender as exigências do mercado. Santos atribui esse fenômeno a um conjunto de práticas totalitárias ou, o que ele define, um ‘’Globalitarismo’’ vigente na atualidade onde prevalece a supremacia de um  mercado homogeneizador disseminando o medo como poder dominante sobre a sociedade. Esse medo consiste no medo do desemprego, medo da fome, medo da violência, medo do outro, enfim a essência de tudo é o medo (SANTOS, 2009, p.53).
  Nesse processo de expansão do mercado global atual, a violência se expande continuamente sem controle. As recentes guerras e as atuais, muitas envolvendo os interesses ocidentais, são combinações de interesses econômicos e geoestratégicos que, muitas vezes, objetivam explorar ou romper as fronteiras ainda existentes à lógica do capital neoliberal. Em um momento que assistimos a guerra civil na Síria se transformar em uma carnificina terrível, observa-se as ingerências externas nesse conflito como um jogo entre forças políticas para instaurar governos colaboradores aos interesses corporativos. O que ocorreu no Iraque e na Líbia agora se volta contra a Síria sendo provável que a situação caminhe para uma catástrofe muito maior. Os esforços incessantes para ampliar a política das grandes corporações e defender seus interesses em todos os setores e, principalmente, no comércio de armas e nas explorações de fontes de energia, como o petróleo, constituem alguns dos elementos que justificam a utilização direta e indireta da força demonstrando uma competição intensa para proteger os interesses corporativos privados de algumas nações. Enquanto isso, conflitos transcorrem sem a ingerência ou interferência externa onde não há interesses corporativos, como na República Democrática do Congo o qual já provocou cinco milhões de mortes.
    Através da utilização desses mecanismos, se objetiva competir e manter a supremacia dessa nova ordem econômica e política para justificar a expansão do mercado atual. As evidências desse fenômeno se observam na atuação da mídia ocidentalizada com relação aos conflitos aqui citados. Tudo isso faz parte do jogo político ideológico para a obtenção do dinheiro em estado puro que não obedece a responsabilidades. Como afirma Milton Santos: ‘’Para exercer a competitividade em estado puro e obter o dinheiro em estado puro, o poder (a potência) deve ser também exercido em estado puro. O uso da força acaba se tornando uma necessidade. Não há outro telos, outra finalidade que o próprio uso da força, já que ela é indispensável para competir e fazer mais dinheiro; isso vem acompanhado pela desnecessidade de responsabilidade perante o outro, a coletividade próxima e a humanidade em geral’’ (SANTOS, 2009, p.58). Para Santos, a busca de meios para se conseguir o dinheiro em estado puro já encontra justificação em si mesma. Nos dias atuais, a preparação para a guerra se mostra constante e interrupta para sua possível execução final. O sistema de guerra de execução e de preparação, como já vimos, são as características da Guerra em estado puro que, segundo o filósofo Frances Paul Virilio, precisa de se sustentar dentro de uma estrutura ideológica onde prevalece uma racionalidade de guerra, sua sacralização, e constante militarização política e social (LOTRINGER, VIRILIO, 1984, 157p).
   Atualmente ocorre a utilização do pretexto de combate ao terrorismo como forma de construir antagonismos, essa questão aprofundaremos em outros textos. É necessário que a possibilidade da utilização da guerra, como recurso, seja aceita pelas massas através dos aparatos ideológicos incluindo a utilização maciça dos recursos midiáticos de propaganda. A combinação das idéias de Santos e Virilio se fundem quando consideramos a força do dinheiro no mercado globalizado atual, e na forma como ele é empregado, para o incremento dos meios de destruição e a ampliação e desenvolvimento tecnológico constante dos armamentos. A crítica de Milton Santos ao mercado atual levanta questões sobre os avanços tecnológicos atuais como irreversíveis, mas que se transformaram em sistemas de opressão agora sob o comando do mercado globalizado. A noção de direito humano como exercício de cidadania, ou seja, o direito a saúde, educação, habitação, segurança entre outros indispensáveis ao cidadão é substituído pelo acesso aos padrões de consumo de coisas, artefatos, objetos, sempre hierarquizados. Santos associa a um ‘’império dos objetos’’ que, segundo suas análises, começou a ganhar força após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) sendo nesse período o início do avanço desse modelo de globalização atual intensificando após o final dos anos de 1980.
  Como já estudamos, é durante a Segunda Guerra Mundial o surgimento do Complexo Industrial Militar nos EUA. Esse complexo atendeu as necessidades da produção de guerra, mas não seria desmontado após o final do maior conflito militar da história, ele passa a direcionar o mundo todo á um novo modelo político pautado, como já estudamos, no exterminismo e na ampliação da máquina militar. O sistema de produção de guerra acompanhou o desenvolvimento do mercado atual. Assim como o mercado neoliberal busca a sua justificação pela ditadura do ‘’dinheiro em estado puro’’, o complexo industrial militar também necessita se justificar na ‘’Guerra Pura’’ para continuar a existir, ou seja, no culto a guerra altamente tecnológica e na sua logística. Quanto à sociedade civil, essa precisa ser cada vez mais militarizada e, teoricamente, segundo Virilio, já somos todos ‘’soldados civis’’. O que se observa na atualidade não é apenas a atmosfera de medo, mas o que fica mais evidente, além desse medo generalizado, é o não desenvolvimento da sociedade civil e a sua colonização, o que estudaremos em outros textos.   
Referências Bibliográficas:
SANTOS, MILTON. Por uma Outra Globalização. Editora Record. Rio de Janeiro, 2009, 174p.
 VIRILO, PAUL; LOTRINGER, SYLVERE. Guerra Pura – A militarização do cotidiano. Editora Brasiliense. São Paulo, 1984. 158p.
Foto: Democracia & Política. Disponível em: http://democraciapolitica.blogspot.com.br/2012/01/obama-anuncia-guerra-nas-entrelinhas.html. Acesso em 20/11/2012.