domingo, 17 de agosto de 2014

A PAZ DESPREZADA




‘’Vejo construir-se um mundo, do qual, ai de mim, não é exagero afirmar que o homem não pode viver nele; nele poderá viver, mas na condição que seja sempre menos homem’’. Georges Bernanos.

     Inicio esse texto com a mensagem de apelo, de julho de 1955, elaborada por Bertrand Russel e Albert Einstein e apresentada por Noam Chomsky no primeiro capitulo de ‘’Estados Fracassados’’. A  mensagem pede que os povos do mundo pusessem de lado seus fortes sentimentos a respeito de uma série de questões e se vissem ‘’exclusivamente como membros de uma espécie biológica que traz consigo uma história extraordinaria e cujo desaparecimento ninguem pode desejar’’. Mas, como afirma Chomsky, o dilema para a humanidade é claro, aterrador e incontornável: poremos fim a espécie humana ou a humanidade renunciará a guerra? O mundo não renunciou a guerra. Muito pelo contrário, Noam Chomsky destaca a posição da potência hegemonica global em sua doutrina da ‘’autodefesa antecipada’’ sem limites de imposição sobre o mundo, da qual é, pelos EUA, aplicada desrespeitando o direito internacional e as regras e tratados da ordem mundial. Estamos presenciando um mundo cada vez mais tomado pela violência. As desastrosas invasões implementadas pelos EUA e Grã-Bretanha no Iraque e no Afeganistão, e a intervensão direta na Líbia e indireta na Síria, desestabilizou toda uma região que esta tomada pela barbárie causando uma enorme catástrofe humanitária (CHOMSKY, p.9-94, 2009).

    O fracasso dessa política militarista é evidente e incontestável. Os EUA agora estão sendo obrigados a voltar a intervir no Iraque de forma direta para tentar impedir o avanço do radicais islamicos sunitas do Estado Islamico do Iraque e do Levante – ISIL, considerados mais radicais do que a Al Qaeda, que estão promovendo grandes massacres da população xiita, curda e até dos sunitas que não aderem as suas leis e regras religiosas. A desestabilização do Iraque, depois da invasão dos EUA e Grã-Bretanha em 2003, pode ter chegado a um ponto irreversível. Os radicais dominam um grande número de cidades do país e, nessa perpectiva, só uma intervensão militar em larga escala pode devolver a uma possível ‘’normalidade’’ politica ao país. A situação do Iraque se deve, também, ao projeto geopolítico implementado na Síria para derrubar o governo do país, aliado do Irã, o que fortaleceu o poder dos grupos radicais que formaram um califado islâmico reunindo territórios tomados do Iraque e da Síria.

   Por outro lado, Israel segue em sua campanha terrorista imposta contra os palestinos em Gaza, não bastando a miséria a que já são submetidos. A política suicida de Israel continua e, aparentemente, parece que o país não consegue se dar conta do que esta se formando ao seu redor. Os israelenses seguem confiantes no ‘’escudo protetor’’ de sua formidável máquina de guerra, como se o país se localiza-se no Arizona ou no Texas. O fracasso da política militarista, como solução para assuntos internos e externos, evidencia o próprio fracasso dos Estados em trabalhar por uma paz efetiva e, dessa forma, nada parece ser feito para poupar gerações inteiras do flagelo da guerra. A solução bélica pode fortalecer a máquina de guerra e desvalorizar a política dos Estados, como afirma Paul Virilio. E esse mesmo Estado passou a ser o terrorista, aquele que se preprara, insensantemente, para a guerra como uma garantia para a paz, e que utiliza seus aparatos bélicos como uma extensão da sua diplomacia. Essa combinação tem se revelado ao mundo que o terror de Estado, e outras ameaças do uso da força, além de terem causado  imensos sofrimentos e destruição, tem por vezes levado o mundo a beira do desastre. A sombria atmosfera de morte e caos no Iraque, Síria, Afeganistão, Palestina, Líbia e a ameaça de conflagração da Ucrânia, continua e continuará a consumir inúmeras vidas e o que isso reserva para a humanidade ainda é incerto. É evidente que haverá um alto preço a ser pago por tudo isso.

   A paz segue desprezada porque essa depende da negociação política, e enquanto a política for dominada pela máquina de guerra não haverá espaço para salvar a humanidade dos hediondos crimes que continuam a ocorrer nesse início de século. Não haverá espaço para salvar os seres humanos da maldição da guerra (CHOMSKY, p.94, 2009). A herança catastrófica do imperialismo europeu do séc. XIX e XX, ainda recai sobre regiões inteiras da África e da Ásia (Especialmente, o Oriente Médio), condenando enormes contingentes a guerras intermináveis, a desarticulação política e a miséria absoluta. É evidente que o imperialismo continua em sua nova configuração sob os lodaçais de violência. O radicalismo dos grupos conservadores ocidentais, condutores da nova ordem corporativista neoliberal, prossegue como uma doutrina messiânica sobre o mundo. A consequência para a humanidade é a continuação das resistências culturais na forma de novos radicalismos do outro lado. Se os radicais do ocidente derrotarem os radicais do Iraque, Afeganistão, Gaza, etc, outros ainda mais radicais os substituirão. O que a maioria do público desconhece é como isso se faz necessário ao estabelecimento dessa ordenação global fundamentada na perpetuação da crise bélica pela preparação, execução e, também, pela estética da guerra, o que estudaremos nos próximos textos.

REFERÊNCIAS:

- CHOMSKY, NOAM. Estados Fracassados. O Abuso de Poder e o Ataque a Democracia. Claro aterrador e incontrolável. Editora Bertrand Brasil. Rio de Janeiro, p.09-48. 2009.

- LOTRINGER, SYLVERE; VIRILIO, PAUL. Guerra Pura. Ed. Brasiliense. São Paulo, 157p. 1984.

IMAGEM: FARIA, RICARDO DE MOURA; MARQUES, ADHEMAR MARTINS; BERUTTI, FLÁVIO COSTA. Construindo a História. Editora Lê. Belo Horizonte, p.149. 1988.