‘’Vejo
construir-se um mundo, do qual, ai de mim, não é exagero afirmar que o homem não
pode viver nele; nele poderá viver, mas na condição que seja sempre menos homem’’.
Georges Bernanos.
Inicio esse texto com a mensagem de apelo,
de julho de 1955, elaborada por Bertrand Russel e Albert Einstein e apresentada
por Noam Chomsky no primeiro capitulo de ‘’Estados Fracassados’’. A mensagem pede que os povos do mundo pusessem
de lado seus fortes sentimentos a respeito de uma série de questões e se vissem
‘’exclusivamente como membros de uma espécie biológica que traz consigo uma
história extraordinaria e cujo desaparecimento ninguem pode desejar’’. Mas,
como afirma Chomsky, o dilema para a humanidade é claro, aterrador e
incontornável: poremos fim a espécie humana ou a humanidade renunciará a
guerra? O mundo não renunciou a guerra. Muito pelo contrário, Noam Chomsky
destaca a posição da potência hegemonica global em sua doutrina da ‘’autodefesa
antecipada’’ sem limites de imposição sobre o mundo, da qual é, pelos EUA,
aplicada desrespeitando o direito internacional e as regras e tratados da ordem
mundial. Estamos presenciando um mundo cada vez mais tomado pela violência. As
desastrosas invasões implementadas pelos EUA e Grã-Bretanha no Iraque e no
Afeganistão, e a intervensão direta na Líbia e indireta na Síria, desestabilizou
toda uma região que esta tomada pela barbárie causando uma enorme catástrofe
humanitária (CHOMSKY, p.9-94, 2009).
O fracasso dessa política militarista é evidente e incontestável. Os EUA
agora estão sendo obrigados a voltar a intervir no Iraque de forma direta para
tentar impedir o avanço do radicais islamicos sunitas do Estado Islamico do Iraque
e do Levante – ISIL, considerados mais radicais do que a Al Qaeda, que estão
promovendo grandes massacres da população xiita, curda e até dos sunitas que
não aderem as suas leis e regras religiosas. A desestabilização do Iraque,
depois da invasão dos EUA e Grã-Bretanha em 2003, pode ter chegado a um ponto
irreversível. Os radicais dominam um grande número de cidades do país e, nessa
perpectiva, só uma intervensão militar em larga escala pode devolver a uma
possível ‘’normalidade’’ politica ao país. A situação do Iraque se deve, também,
ao projeto geopolítico implementado na Síria para derrubar o governo do país,
aliado do Irã, o que fortaleceu o poder dos grupos radicais que formaram um
califado islâmico reunindo territórios tomados do Iraque e da Síria.
Por outro lado, Israel segue em sua campanha terrorista imposta contra
os palestinos em Gaza, não bastando a miséria a que já são submetidos. A
política suicida de Israel continua e, aparentemente, parece que o país não
consegue se dar conta do que esta se formando ao seu redor. Os israelenses
seguem confiantes no ‘’escudo protetor’’ de sua formidável máquina de guerra,
como se o país se localiza-se no Arizona ou no Texas. O fracasso da política
militarista, como solução para assuntos internos e externos, evidencia o
próprio fracasso dos Estados em trabalhar por uma paz efetiva e, dessa forma, nada
parece ser feito para poupar gerações inteiras do flagelo da guerra. A solução
bélica pode fortalecer a máquina de guerra e desvalorizar a política dos Estados,
como afirma Paul Virilio. E esse mesmo Estado passou a ser o terrorista, aquele
que se preprara, insensantemente, para a guerra como uma garantia para a paz, e
que utiliza seus aparatos bélicos como uma extensão da sua diplomacia. Essa
combinação tem se revelado ao mundo que o terror de Estado, e outras ameaças do
uso da força, além de terem causado imensos sofrimentos e destruição, tem por
vezes levado o mundo a beira do desastre. A sombria atmosfera de morte e caos
no Iraque, Síria, Afeganistão, Palestina, Líbia e a ameaça de conflagração da
Ucrânia, continua e continuará a consumir inúmeras vidas e o que isso reserva
para a humanidade ainda é incerto. É evidente que haverá um alto preço a ser
pago por tudo isso.
A paz segue desprezada porque essa depende da negociação política, e
enquanto a política for dominada pela máquina de guerra não haverá espaço para salvar a humanidade dos hediondos crimes que continuam a
ocorrer nesse início de século. Não haverá espaço para salvar os seres humanos
da maldição da guerra (CHOMSKY, p.94, 2009). A herança catastrófica do
imperialismo europeu do séc. XIX e XX, ainda recai sobre regiões inteiras da África
e da Ásia (Especialmente, o Oriente Médio), condenando enormes contingentes a
guerras intermináveis, a desarticulação política e a miséria absoluta. É evidente
que o imperialismo continua em sua nova configuração sob os lodaçais de
violência. O radicalismo dos grupos conservadores ocidentais, condutores da nova ordem corporativista neoliberal, prossegue como uma doutrina messiânica
sobre o mundo. A consequência para a humanidade é a continuação das resistências
culturais na forma de novos radicalismos do outro lado. Se os radicais do ocidente derrotarem os
radicais do Iraque, Afeganistão, Gaza, etc, outros ainda mais radicais os
substituirão. O que a maioria do público desconhece é como isso se faz necessário
ao estabelecimento dessa ordenação global fundamentada na perpetuação da crise
bélica pela preparação, execução e, também, pela estética da guerra, o que estudaremos nos próximos textos.
REFERÊNCIAS:
- CHOMSKY, NOAM. Estados Fracassados. O Abuso de Poder e o
Ataque a Democracia. Claro
aterrador e incontrolável. Editora Bertrand Brasil. Rio de Janeiro, p.09-48.
2009.
- LOTRINGER,
SYLVERE; VIRILIO, PAUL. Guerra Pura.
Ed. Brasiliense. São Paulo, 157p. 1984.
IMAGEM:
FARIA, RICARDO DE MOURA; MARQUES, ADHEMAR MARTINS; BERUTTI, FLÁVIO COSTA. Construindo a História. Editora Lê.
Belo Horizonte, p.149. 1988.