domingo, 9 de abril de 2017

Terrorismo contra quem?


"A melhor forma dos EUA combater o terrorismo, é deixar de ser o maior terrorista da história''.                                                                                                                                   Noam Chomsky.

Os anos de 2015 e 2016 foram assolados por ações violentas atribuídas a prática de terrorismo por grupos fundamentalistas e de seus seguidores espalhados pelo mundo. Em uma análise mais aprofundada, se torna evidente que o fundamentalismo islâmico é disseminado por uma minoria absoluta entre os povos muçulmanos. No entanto, o desconhecimento sobre a realidade das sociedades islâmicas favoreceu os movimentos xenofóbicos ocidentais contribuindo para provocar a possível saída do Reino Unido da União Europeia. Diante da comoção resultante de ataques terroristas no ocidente, poucos entendem o papel que exerce essa xenofobia na intensificação da intolerância que alimenta o radicalismo de grupos extremistas e de seus simpatizantes infiltrados nos países ocidentais. Como já nos referimos em outros textos, a irresponsabilidade política na condução de ações militares no mundo árabe resultaram na exacerbação do extremismo como forma de resposta. A avassaladora máquina de guerra ocidental, direcionada nos últimos 15 anos na derrubada de governos considerados hostis aos seus direcionamentos políticos e econômicos, provocou a destruição de inúmeras cidades e regiões que antes eram intactas e dotadas de serviços básicos a população.
   Evidentemente que os governos de Saddan Hussein no Iraque, de Bashar al Assad na Síria e Muamar Kadaffi na Líbia eram muito distantes da articulação política presente no modelo democrático representativo ocidental. No entanto, sob o controle das ditaduras, o Iraque, Síria e Líbia ainda eram países com governos politicamente instituídos. Sob o governo dessas ditaduras, a população civil possuía acesso a serviços de saúde, educação e segurança. A Líbia possuía um dos melhores Índices de desenvolvimento Humano – IDH da África. A Síria possuía uma infraestrutura de qualidade e um dos melhores sistemas de comunicação entre os países árabes do Oriente Médio além de manter uma prestação satisfatória de serviços básicos a população. No Iraque, apesar do bloqueio econômico imposto ao país desde 1991, havia antes de 2003 uma infraestrutura e prestação de serviços muito superior a atual. Além dos serviços essenciais a população, o principal a ser considerado é a estabilidade exercida por esses poderes políticos nesses países, os quais são dominados pela influência dos clãs locais. A população civil dependia dessa estabilidade para a sua segurança diante da complexidade cultural na região (Ver texto: O Colonialismo das Armas e a Tragédia Síria). Toda essa estabilidade foi colocada abaixo, de forma direta ou indireta, pela interferência da política externa ocidental com consequências catastróficas. A opinião pública ocidental deveria ser moldada para apoiar essas ações e  ela mesma associar tudo isso a ‘’Guerra ao Terror’’, ou seja, a luta da civilização ocidental contra o terrorismo.
   As supostas associações de vários governos islâmicos, considerados hostis aos interesses ocidentais, com o terrorismo internacional foram disseminadas a exaustão pela mídia ocidental. Observa-se na história atual os direcionamentos da máquina de guerra se articulando ao momento da expansão econômica global. O aparato midiático do ocidente, busca potencializar os malefícios do radicalismo islâmico sobre a sociedade ocidental expondo os riscos envolvendo a prática do terrorismo que, como se presume, pode atingir qualquer local a qualquer momento. A política de controle do potencial energético do Oriente Médio pelas corporações ocidentais encontraram a resistência do nacionalismo árabe, o qual deveria ser combatido para se alcançar esse objetivo. O temor generalizado de ataques terroristas no ocidente são acompanhados por uma histeria coletiva exacerbada pelos meios de comunicação e pela indústria do entretenimento de massas.
 Recentemente, o maior ataque terrorista no Ocidente foi realizado na França em 13 de novembro de 2015 provocando a trágica morte de 130 pessoas, o qual foi assumido pelo Estado Islâmico – EI. Na guerra declarada do Ocidente contra o nacionalismo árabe desde 2003, o número de vítimas equivale facilmente a uma tragédia como a ocorrida na França por dia, ou seja, diariamente morre dezenas ou centenas de pessoas no Iraque, Síria, Líbia, Iêmen, Afeganistão, Paquistão, Nigéria, Sudão, entre outros, associada as ações desencadeadas pela ‘’Guerra ao Terror’’ e pelos seus efeitos políticos e sociais nessas nações e regiões. Segundo o intelectual estadunidense Noam Chomsky em “O Controle da Mídia, Os Espetaculares Feitos da Propaganda”, o terrorismo não existe contra os povos do Oriente, em especial os Árabes. O terrorismo existe apenas contra os povos ocidentais. Apenas os ocidentais são vitimados pelas ações terroristas enquanto os povos do Oriente e da África são mortos diariamente ou desalojados de suas casas e, desesperadamente, muitos buscam refúgio na Europa na tentativa de alcançar o mínimo necessário à sua sobrevivência. Em janeiro de 2015 enquanto o mundo ocidental estava em comoção pelo ataque terrorista ao jornal satírico Charlie Hebdo, o qual morreram 12 pessoas, quase não houve menção as atrocidades cometidas pelo grupo Bocco Haran, uma ramificação do EI, na Nigéria provocando a morte de 2000 civis.
   É evidente que o terrorismo deverá ser combativo e que todas as ações hediondas, atribuídas a essa prática, devem ser condenadas. No entanto, devemos reconhecer as ações políticas irresponsáveis que alimentam os extremismos como as guerras diretas e indiretas contra nações soberanas, em especial o Iraque, Síria e Líbia, e suas consequências humanitárias. A manipulação midiática de massas seguirá com o discurso falacioso da militarização do combate ao terrorismo. Essa manipulação é necessária ao movimento da máquina de guerra global. Nesse contexto, é importante o entendimento de como os grupos extremistas oferecem pouco risco aos Estados nacionais do Ocidente, o que será estudado em outros textos.

Palavras Chaves: Xenofobia, Estabilidade, Nacionalismo, Terrorismo, Mídia.
  
 Referências:
- Foto: Cidade de Alepo (Síria) https://www.youtube.com/watch?v=MwUp-k-kUnw.
- CHOMSKY, NOAM; O Controle da Mídia, Os Espetaculares Feitos da Propaganda; Graphia, São Paulo, 2003, 96p.

   

terça-feira, 21 de outubro de 2014

O Teatro dos Horrores



  ‘’A violência é gerada por aqueles que dizem desejar combate-la’’. Milton Santos.

''A mais perigosa criação no mundo, em qualquer sociedade, é um homem sem nada a perder''. Malcolm X.


 No momento histórico atual, os EUA e seus aliados ocidentais, e no Oriente Médio, coordenam mais uma campanha de ataques diretos no Iraque e, também, na Síria. Os bombardeios são para acabar com a milícia radical conhecida como o Estado Islâmico – EI. A mídia informa que os bombardeios podem não ter data para terminar, e as ações continuarão até que o cenário político na região seja alterado com a possível derrota dos milicianos. No teatro de horrores instaurado no Oriente Médio, a partir da messiânica ‘’ Guerra ao Terror’’ desencadeada pelo governo de George. W. Bush a partir de 2001, esse parece ser apenas mais um trágico capítulo. As atrocidades cometidas pelos milicianos, contra outros grupos e povos na região, evidenciam que não há limites para a violência que se intensificou no Oriente Médio praticada por ambos os lados no conflito. No entanto, as execuções sumárias de opositores capturados pelo EI, o que inclui jornalistas ocidentais sequestrados como reféns, com fuzilamentos, torturas e decapitações gravadas em vídeo, são exibidas a exaustão pelos órgãos de imprensa. Essas atrocidades se transformaram em excepcionais propagandas para o convencimento da população do ocidente a apoiar as ações que se seguem. Evidentemente que a maioria do público condena os assassinatos sumários, o que inviabiliza as chances de uma análise mais aprofundada sobre a realidade geopolítica do Oriente Médio.
    O projeto imperial desencadeado pelos EUA com o objetivo de abrir o campo para a exploração desenfreada e sem limites dos recursos naturais da região, pelas corporações ocidentais, é mais do que uma campanha sanguinária. Esse projeto revela ao mundo a nova junção das velhas políticas imperialistas combinadas a uma doutrina de autodefesa disfarçada de ‘’ guerra preventiva’’. Todas essas ações seguem os mesmos métodos e propósitos, como afirma o intelectual estadunidense Noam Chomsky em ‘’ Ambições Imperiais ‘’ os inimigos devem ser fracos o suficiente para não conseguir reagir a agressão à altura, devem oferecer o menor risco possível de um contra-ataque contra as forças ocidentais. O poder avassalador das armas de última geração ocidentais devem ter total liberdade de utilização – ‘’os inimigos devem ser submissos o suficiente  para ser avassalados pela maior força militar da história humana. Mas mesmo sendo fracos eles devem ser temidos e considerados perigosos e sempre capazes de realizar ataques terroristas contra o ocidente onde ninguém estará seguro, e as populações devem acreditar nas fantásticas ameaças dos terroristas a sua segurança’’ (BARSAMIAN,CHOMSKY, p.13,2006). Enquanto rios de sangue correm na Síria e no Iraque, as campanhas de propaganda nos meios de comunicação ocidentais estão sempre agressivas e atuantes e, como sempre se espera, as campanhas de bombardeios são tratadas com naturalidade.
    O extremismo islâmico nunca esteve tão forte como nos dias atuais, ele se multiplicou após as intervenções militares ocidentais no Oriente Médio a partir de 2001. Essas intervenções submeteram a Síria, Iraque e Líbia à uma similaridade com o Líbano nos anos de 1970 e 1980. Ambos os países estão fragmentados em zonas controladas por facções armadas em conflito. Essas facções são apoiadas externamente por outros países que possuem interesses estratégicos na região. A diferença é que esses novos Líbanos são muito maiores e envolvem uma população de, aproximadamente, 70 milhões de pessoas. A destruição desses países ocorre em larga escala, cidades inteiras estão arrasadas, a infraestrutura seriamente comprometida e os serviços básicos a população em total colapso. Grande parte das populações desses países estão entregues a miséria absoluta. Os poucos e parcos recursos que restam são, na maioria, utilizados para atender aos esforços de guerra. Nesse cenário, o extremismo se prolifera, ele é alimentado pela intensificação da pobreza da população. Muitos buscam no fundamentalismo uma forma de adquirir esperança contra as tragédias, as humilhações sofridas e as perdas irreparáveis.
   As atrocidades que se intensificam no Oriente Médio não se diferem do que ocorrem em outras regiões da terra a décadas. Exemplo da África Subsaariana  marcada por guerras intermináveis, genocídios e limpezas étnicas. No entanto, ainda segundo o intelectual estadunidense Noam Chomsky – ‘’O Oriente Médio assumiu, após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a posição de maior fornecedor energético do mundo e espera-se que continue assim por mais uma geração. No caso do Iraque, as reservas de petróleo do país é a segunda maior do mundo, o seu óleo é acessível e barato, se você controlar o Iraque, estará em muito boa posição para decidir os preços e controlar os níveis de produção’’ (BARSAMIAN,CHOMSKY, p.15,2006). A diferença das intervenções militares ocorrerem no Oriente Médio e não ocorrer em outros países, que estão a muito mais tempo conflagrados, é esses territórios se localizarem sob mares de petróleo. A destruição desses países, permitirão, futuramente, uma exploração ainda mais favorável desse potencial energético na região pelas grandes corporações, pois os países destruídos irão negociar seus recursos a preços ainda mais acessíveis para reconstruir o que foi destruído e arrasado pela guerra, aliás, já existem empreiteiras estrangeiras ocidentais lucrando alto atuando na reconstrução do que restou do Iraque após a invasão de 2003.
    Diante do caos político, os milicianos, e os governos envolvidos, encontram justificativa moral para o barbarismo. As milícias radicais, como o EI, possuem uma fonte de recrutamento permanente em meio aos escombros da Síria e do Iraque. Os bombardeios, evidentemente, não serão suficientes para derrota-los. É imprevisível os planos estratégicos da democracia perversa para esse conflito, mas é pouco provável que arriscarão envolver suas tropas terrestres para ‘’libertar’’ as cidades iraquianas e sírias do EI. Os estrategistas ocidentais sabem o que significa o chamado ‘’Efeito Stalingrado’’. O que aparenta ser mais plausível para os ocidentais é, no momento atual, continuar com os bombardeios e abarrotar a região com armas, distribuindo-as aos grupos aliados. Armas que não tardarão a cair nas mãos do EI e de outros grupos radicais. Em meio a todo esse lodaçal, o teatro dos horrores permanece com a propaganda midiática colocando os ocidentais, em especial os EUA, como ‘’ libertadores’’, aqueles que foram delegados da nobre missão de salvar a região de um inimigo perigoso e cruel.
   No meio desse conflito se encontra a infeliz população civil. Como já nos referimos em outros textos, 90 % das vítimas das guerras atuais são civis. A incompreensão da cultura do Oriente Médio pelos ocidentais, resulta na produção de inúmeras vítimas e na arregimentação de inúmeros inimigos. O EI é resultado dessa trágica incompreensão, mas que contribui para impulsionar o movimento veloz da máquina de guerra mundial, altamente tecnológica. Quanto a população civil, continuará a resistir entre as ruínas das cidades destruídas onde a luta pela sobrevivência é diária. Muitos civis vão se submeter as condições indescritíveis dos campos de refugiados (4 milhões de sírios já estão refugiados nos países vizinhos). Muitos ampliarão as fileiras dos grupos radicais, pois, como já nos referimos, o radicalismo e o fundamentalismo traz esperança, restam poucas alternativas para eles diante da devastação ocasionada pelo Terrorismo de Estado, o que estudaremos em outro texto. Tragicamente muitos se simpatizam, e simpatizarão, com a causa dos radicais e seu sonhado califado, pois as chances de se simpatizarem pelos ocidentais são, lamentavelmente, poucas ou nulas.
Referências:

BARSAMIAN, DAVID; CHOMSKY, NOAM. Ambições Imperiais. Ed. Ediouro. Rio de Janeiro. 2006, 196 p.

domingo, 17 de agosto de 2014

A PAZ DESPREZADA




‘’Vejo construir-se um mundo, do qual, ai de mim, não é exagero afirmar que o homem não pode viver nele; nele poderá viver, mas na condição que seja sempre menos homem’’. Georges Bernanos.

     Inicio esse texto com a mensagem de apelo, de julho de 1955, elaborada por Bertrand Russel e Albert Einstein e apresentada por Noam Chomsky no primeiro capitulo de ‘’Estados Fracassados’’. A  mensagem pede que os povos do mundo pusessem de lado seus fortes sentimentos a respeito de uma série de questões e se vissem ‘’exclusivamente como membros de uma espécie biológica que traz consigo uma história extraordinaria e cujo desaparecimento ninguem pode desejar’’. Mas, como afirma Chomsky, o dilema para a humanidade é claro, aterrador e incontornável: poremos fim a espécie humana ou a humanidade renunciará a guerra? O mundo não renunciou a guerra. Muito pelo contrário, Noam Chomsky destaca a posição da potência hegemonica global em sua doutrina da ‘’autodefesa antecipada’’ sem limites de imposição sobre o mundo, da qual é, pelos EUA, aplicada desrespeitando o direito internacional e as regras e tratados da ordem mundial. Estamos presenciando um mundo cada vez mais tomado pela violência. As desastrosas invasões implementadas pelos EUA e Grã-Bretanha no Iraque e no Afeganistão, e a intervensão direta na Líbia e indireta na Síria, desestabilizou toda uma região que esta tomada pela barbárie causando uma enorme catástrofe humanitária (CHOMSKY, p.9-94, 2009).

    O fracasso dessa política militarista é evidente e incontestável. Os EUA agora estão sendo obrigados a voltar a intervir no Iraque de forma direta para tentar impedir o avanço do radicais islamicos sunitas do Estado Islamico do Iraque e do Levante – ISIL, considerados mais radicais do que a Al Qaeda, que estão promovendo grandes massacres da população xiita, curda e até dos sunitas que não aderem as suas leis e regras religiosas. A desestabilização do Iraque, depois da invasão dos EUA e Grã-Bretanha em 2003, pode ter chegado a um ponto irreversível. Os radicais dominam um grande número de cidades do país e, nessa perpectiva, só uma intervensão militar em larga escala pode devolver a uma possível ‘’normalidade’’ politica ao país. A situação do Iraque se deve, também, ao projeto geopolítico implementado na Síria para derrubar o governo do país, aliado do Irã, o que fortaleceu o poder dos grupos radicais que formaram um califado islâmico reunindo territórios tomados do Iraque e da Síria.

   Por outro lado, Israel segue em sua campanha terrorista imposta contra os palestinos em Gaza, não bastando a miséria a que já são submetidos. A política suicida de Israel continua e, aparentemente, parece que o país não consegue se dar conta do que esta se formando ao seu redor. Os israelenses seguem confiantes no ‘’escudo protetor’’ de sua formidável máquina de guerra, como se o país se localiza-se no Arizona ou no Texas. O fracasso da política militarista, como solução para assuntos internos e externos, evidencia o próprio fracasso dos Estados em trabalhar por uma paz efetiva e, dessa forma, nada parece ser feito para poupar gerações inteiras do flagelo da guerra. A solução bélica pode fortalecer a máquina de guerra e desvalorizar a política dos Estados, como afirma Paul Virilio. E esse mesmo Estado passou a ser o terrorista, aquele que se preprara, insensantemente, para a guerra como uma garantia para a paz, e que utiliza seus aparatos bélicos como uma extensão da sua diplomacia. Essa combinação tem se revelado ao mundo que o terror de Estado, e outras ameaças do uso da força, além de terem causado  imensos sofrimentos e destruição, tem por vezes levado o mundo a beira do desastre. A sombria atmosfera de morte e caos no Iraque, Síria, Afeganistão, Palestina, Líbia e a ameaça de conflagração da Ucrânia, continua e continuará a consumir inúmeras vidas e o que isso reserva para a humanidade ainda é incerto. É evidente que haverá um alto preço a ser pago por tudo isso.

   A paz segue desprezada porque essa depende da negociação política, e enquanto a política for dominada pela máquina de guerra não haverá espaço para salvar a humanidade dos hediondos crimes que continuam a ocorrer nesse início de século. Não haverá espaço para salvar os seres humanos da maldição da guerra (CHOMSKY, p.94, 2009). A herança catastrófica do imperialismo europeu do séc. XIX e XX, ainda recai sobre regiões inteiras da África e da Ásia (Especialmente, o Oriente Médio), condenando enormes contingentes a guerras intermináveis, a desarticulação política e a miséria absoluta. É evidente que o imperialismo continua em sua nova configuração sob os lodaçais de violência. O radicalismo dos grupos conservadores ocidentais, condutores da nova ordem corporativista neoliberal, prossegue como uma doutrina messiânica sobre o mundo. A consequência para a humanidade é a continuação das resistências culturais na forma de novos radicalismos do outro lado. Se os radicais do ocidente derrotarem os radicais do Iraque, Afeganistão, Gaza, etc, outros ainda mais radicais os substituirão. O que a maioria do público desconhece é como isso se faz necessário ao estabelecimento dessa ordenação global fundamentada na perpetuação da crise bélica pela preparação, execução e, também, pela estética da guerra, o que estudaremos nos próximos textos.

REFERÊNCIAS:

- CHOMSKY, NOAM. Estados Fracassados. O Abuso de Poder e o Ataque a Democracia. Claro aterrador e incontrolável. Editora Bertrand Brasil. Rio de Janeiro, p.09-48. 2009.

- LOTRINGER, SYLVERE; VIRILIO, PAUL. Guerra Pura. Ed. Brasiliense. São Paulo, 157p. 1984.

IMAGEM: FARIA, RICARDO DE MOURA; MARQUES, ADHEMAR MARTINS; BERUTTI, FLÁVIO COSTA. Construindo a História. Editora Lê. Belo Horizonte, p.149. 1988.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Sob a Diplomacia dos Tomahawks

 ‘’Os artigos contra a paz são escritos com penas feitas do mesmo aço utilizado nos canhões e nas granadas’’. Aristides Briand 

    Novamente o mundo estarrecido assiste a democracia perversa se mobilizar para a guerra. Se não ocorrecem às intervenções diplomáticas dos russos, os EUA já teriam direcionado a sua máquina de guerra para massacrar a combalida e humilhada Síria. O enfraquecido governo sírio seria uma presa fácil, pois prevalece à estratégia de guerra apenas contra países que não podem reagir à agressão à altura. A escalada midiática para incriminar o governo sírio de Bashar AL-Assad pelo uso de armas químicas contra a população civil prossegue, e resultara em mais apoio militar aos rebeldes que, tragicamente, ira incendiar cada vez mais o país. Diante dessa acusação podemos questionar: porque o governo de Assad utilizaria armas químicas contra seu próprio povo em um momento que o governo esta mergulhado em uma guerra total contra rebeldes e mercenários de dentro e de fora de suas fronteiras? Porque arriscaria ser condenado pela ‘’comunidade’’ internacional e perder os escassos apoios externos que possui? A grande mídia não levanta essas questões e, muito pelo contrario, continua a insistir que foram as forças de Assad que utilizaram as armas mesmo sabendo que os rebeldes, também, possuem armas químicas. Prevalece o discurso hostil a países com governos ditatoriais, como se o modelo democrático representativo ocidental fosse compatível com todas as sociedades e culturas do mundo. É certo que o motivo é um pretexto para afirmar o jogo geopolítico dos EUA e de Israel na região. O objetivo dos EUA parece ser derrubar o governo de Assad e não acabar com a guerra com a utilização de um acordo de paz. O discurso se assemelha ao utilizado na invasão do Iraque com os mesmos propósitos, ou seja, derrubar uma ditadura que se considera ser sanguinária utilizando os instrumentos de destruição necessários, de forma direta ou indireta, não importando quantas pessoas possam ser atingidas. Segundo estudos, 90% dos mortos na invasão e ocupação do Iraque, a partir de 2003, foram civis (PILGER, 2009).
  As explicações possíveis para o que esta ocorrendo na Síria envolve, primeiramente, a posição nacionalista do governo de Assad, que entra em choque com os interesses corporativistas internacionais, principalmente, do setor energético, pois a Síria possui importantes reservas de petróleo e gás. Em segundo, como já nos referimos em outros textos, à Síria é o principal aliado do Irã na região, o que contraria os interesses dos regimes da Arábia Saudita, Kuwait, Emirados Árabes Unidos e Barein e, principalmente, dos EUA e Israel. As armas dos EUA, e de seus aliados europeus, estão chegando aos rebeldes pela Arábia Saudita e Barein e o derramamento de sangue prossegue não importando os impactos políticos e sociais desse conflito. A postura externa dos EUA é condizente ao seu casamento com a produção bélica e a construção do complexo industrial militar durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), como já foi apresentado em outros textos. Esse complexo não foi desmobilizado após aquele conflito, ele permanece como um imperativo de crescimento econômico e tecnológico importante para os interesses das mega corporações dos EUA direcionando a sua política interna e externa. Os arbítrios da maior potência militar do mundo fizeram do movimento popular árabe, conhecido como ‘’Primavera Árabe’’, um pretexto para a imposição de um novo jogo geopolítico na região. A Tunísia, depois da queda do ditador, aliado dos EUA, outro governo colaborador assumiu o seu lugar com os mesmos propósitos, ou seja, contribuir com os interesses ocidentais. A Líbia esta mergulhada na barbárie sem fim depois dos violentos bombardeios sobre o país realizados pelos EUA, França e Grã-Bretanha, que derrubaram o governo de Muammar Gadaffi, causando a morte de 30 mil pessoas. A situação do Egito é sombria, e o futuro político do país é incerto com risco de conflagração interna ou de permanecer na ditadura, enquanto a Síria afunda na guerra civil. Enfim, o movimento popular árabe, que demonstrava insatisfação contra as injustiças sociais, está domado pelos interesses externos ocidentais e, praticamente, se encontra sepultado.
   Quanto ao Iraque, o país continua mergulhado na violência interna com a possibilidade de uma guerra civil em larga escala rivalizando sunitas e xiitas. No Afeganistão, a guerra prossegue e é certo que os EUA perderam a guerra no país, assim como perderam a guerra do Iraque. O que se observa é a atmosfera de caos e violência se disseminando em grande parte do Oriente Médio, do mediterrâneo ocidental ao Paquistão. Somando a isso esta a insurgência do extremismo de grupos radicais apoiados de um lado e de outro. Grupos aliados á Al Qaeda estão sendo apoiados pelos EUA na Síria, e mercenários estão chegando em um numero crescente ao país. Dessa forma, a Síria se assemelha a Nicarágua dos anos de 1980 com a campanha assassina dos EUA para derrubar o governo sandinista, apoiando os rebeldes e ignorando a catástrofe humanitária que se segue. Armas continuarão a chegar como nunca na Síria e grupos de combatentes serão treinados para a guerra até que o governo do país caia. Se o governo sírio não cair, e não ocorrer um acordo de paz (O que parece ser pouco provável pela ingerência externa nesse conflito), os EUA poderá utilizar um novo pretexto para atacar mais o país, de forma direta ou indireta. Se os radicais do partido republicano estivessem no poder nos EUA, à Síria, provavelmente, já teria sido atacada diretamente.
   No entanto, pesquisas indicam que a maioria dos estadunidenses são contra essa guerra, o que pode ser uma esperança para o povo sírio, mas é certo que a política belicosa dos EUA dificilmente mudará. Mas e a guerra deverá continuar sem se fazer nada para dete-la? A exemplo do conflito mais mortífero após a Segunda Guerra Mundial na República Democrática do Congo - RDC, cinco milhões de pessoas foram mortas e nada foi feito para acabar com o conflito que ainda permanece. Como se observa, as justificativas de ‘’guerras humanitárias’’, como a aplicada contra a Líbia, apenas tende ao convencimento do público para a obtenção do apoio as ações que se seguem. Em contrapartida, se estabelece no mundo uma política geoestratégica genocida e etnocida, com uma conotação fortemente imperialista. É certo que essa política continuará a menos que os cidadãos dos EUA decidem parar de pagar a conta, ou se o militarismo da democracia perversa for isolado no cenário internacional. Esses assuntos ainda estudaremos em outros textos. Quanto à Síria? Seguira sendo destruída até pouco restar para ser destruído. Se houver ataques dos EUA, a situação será ainda pior, pois se o governo de Assad cair à população Xiita e Alauita será perseguida. Não seria possível uma solução militar para esse conflito, ao menos que populações inteiras sejam varridas do mapa pela guerra. Em suma, os últimos a serem beneficiados pela política dos EUA, para região, serão os sírios. Quanto a esse papel de ‘’polícia do mundo’’ que o EUA ainda insistem em impor sobre a humanidade, estudaremos em outro texto.
Referências:

PILGER, JOHN. A Guerra Que Você Não Vê. Documentário jornalístico. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=pskjzl2czKg. Acesso em: 15/09/2013.
Foto: Mundo Naútico. Iraquianos queimados durante a combates na Guerra do Golfo. Disponível  em: http://naval.blogs.sapo.pt/39790.html. Acesso em 16/09/2013.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

A Morte Lenta do Proletário-Soldado




As elites dromocráticas prezam a mobilidade acima de tudo, porque sabem que dominar significa poder-invadir e ocupar uma posição dominante, os que as leva a buscar próteses cada vez mais sofisticadas. Laymert Garcia dos Santos.
    Os contingentes militares modernos continuam sendo mantidos em prontidão permanente, mesmo em tempos de paz. Essa característica, como já foi apresentada em outros textos, envolve o processo de profissionalização inerente ao sistema capitalista desde sua fase industrial ao final do séc.XVIII. No capitalismo tudo se transformou em profissão, e isso inclui o soldado. Arregimentados da classe trabalhadora e camponesa, os soldados se tornaram proletáriados-soldados, sendo indispensáveis aos interesses do grande capital. Vários milhões de militares estão em prontidão permanente, nesse momento, em todo o mundo. Os conflitos armados localizados, em todo o mundo, matam um grande numero de combatentes todos os dias. Hoje todas as guerras estão ocorrendo na periferia do planeta, e algumas delas ocorrem em áreas de interesses estratégicos do capital neoliberal a exemplo, como referimos no texto anterior, do conflito na Síria. Sem dúvida que os militares são elementos necessários a proteção dos interesses do grande capital e da democracia perversa. No entanto, esse cenário de presença indispensável dos soldados, tende a mudar de forma gradual e lenta.
   Os aparatos tecnológicos de destruição e morte esbanjam sofisticação interrupta e acenam para novos cenários onde a automação tende a substituir um numero cada vez maior de proletário-soldados. Assim como ocorre nos sistemas produtivos atuais, como na indústria e a agroindústria, os sistemas tecnológicos estão ocupando o lugar do profissional soldado. O advento das armas convencionais sofisticadas guiadas a lazer, as ‘’Bombas inteligentes’’ utilizadas desde os últimos anos da Guerra do Vietnã (1965-1975) acenaram a essa tendência rápida dos aperfeiçoamentos tecnológicos da máquina de guerra atual, ou seja, substituir os trabalhos de um número crescente de profissionais da guerra. O filosofo Paul Virilio destaca esse aperfeiçoamento como sendo próprio do exercício da superioridade pela velocidade em ocupar, invadir e destruir o que concede poder aos que a possui. O exemplo pratico do ‘’dispare e esqueça’’ dos mísseis Exocet, utilizados com enorme êxito pelos argentinos contra os ingleses na Guerra das Malvinas (1982), não sendo necessário nem se observar o alvo, basta disparar a arma e voltar para a base. (VIRILIO, LOTRINGER, 1984, p. 21-29).
   As invasões do Afeganistão e do Iraque colocaram em evidência o grande poder das armas tecnológicas, mas que não foram suficientes para controlar e submeter às populações locais. No entanto, toda essa sofisticação mantém a supremacia da máquina de guerra sobre a política e, também, sobre o próprio militar. Os Drones são equipamentos aéreos não tripulados a muito utilizados com o propósito de espionagem e reconhecimento, empregados com sucesso desde a invasão do Líbano por Israel em 1982. Agora esses mesmos equipamentos foram aperfeiçoados para realizar missões de ataques contra alvos e estão sendo largamente utilizados no Afeganistão e Paquistão. Essa nova atividade revela os novos planos do pentágono para a construção de equipamentos inteligentes para atuar no lugar dos soldados. Isso inclui altos investimentos em robótica, cibernética e nanotecnologia. Tudo indica que, em um futuro próximo, guerras e invasões poderão ser conduzidos com um numero muito maior de máquinas ou, a longo prazo, apenas por maquinas. A vantagem é que maquinas não contestam, não sangram e não possuem famílias, sendo então muito mais favoráveis aos interesses e arbítrios dos atores hegemônicos representados pelas grandes corporações.
   A própria profissão do soldado esta para ser lentamente reduzida a níveis muito menores, e as novas armas passarão a conduzir o poder do grande capital. As evidências desse processo são muitas e acenam para uma nova tendência que direcionam a humanidade a um novo ritmo já controlado pela eletrônica e pelas máquinas. Essa racionalidade instrumental, cada vez mais presente, engessa as possibilidades da superação da guerra como recurso e nos denunciam novos modelos de dominação, o que poderá propiciar novos horrores futuros, como os que assistimos hoje. E o proletário-soldado? Qual é o seu futuro? Como afirma Paul Virilio: Não sou anti-militarista, o anti é racista, pois o militar é um homem, não podemos ser contra o homem. O proletariado-operário e o proletariado-soldado é a mesma coisa. O que devemos ser contra é a essência da guerra na tecnologia. Sou contra a máquina de guerra que escapa do político (VIRILIO, LOTRINGER, 1984, p. 21-29). Se no capitalismo somos todos profissionais, então somos também soldados civis sem querer e sem saber. Podemos então lutar por interesses comuns e buscar um novo sentido para a humanidade. Para isso ocorrer devemos reconhecer a ‘’classe militar’’ que atua por trás da máquina de guerra, pois a única arma que temos é o esclarecimento a todos, essa questão ainda estudaremos em outros textos.

Referências:
-LOTRINGER, SYLVERE;VIRILIO, PAUL. Guerra Pura. A militarização do Cotidiano. Editora Brasiliense. São Paulo. 157p.1984.
- VIRILIO,PAUL. Velocidade e Política. Editora Estação Liberdade. São Paulo, 138p,1996.
- Foto :
    

segunda-feira, 25 de março de 2013

O Colonialismo das Armas e a Tragédia Síria


‘’As guerras localizadas de hoje, que tão facilmente passam de um calibre para outro, documentam bem claramente o quanto a preocupação de armar-se para evitar ataques pode com facilidade transformar-se primeiro em provocação, depois em catástrofe’’ Anthony Sampson.


‘’Estamos certamente metidos em um negócio infernal, onde torcemos para que haja encrencas, a fim de que melhore nosso meio de vida’’. Frank S. Jonas (vendedor de armas da Remington)
    
    As revoltas no mundo árabe, denominadas no ocidente como “Primavera Árabe’’, arrastaram vários países para uma onda de violência e ebulição interna. O incompreensível Oriente Médio (Aos olhos da conservadora política externa ocidental), foi assolado por essa onda de revoltas que acarretaram na derrubada de ditadores no Egito,Tunísia e Líbia os quais, antes das revoltas, eram aliados e colaboradores das potências ocidentais (Lembrando que o mundo árabe envolve o Oriente Médio e todo o norte da África). A questão da ambigüidade dos discursos ocidentais em defesa da liberdade e da democracia já foi abordada nesse blog (Ver texto ‘’O ambíguo discurso dos EUA em defesa da liberdade e da Democracia’’). Na maioria dos países do Oriente Médio, as fronteiras internacionais foram delimitadas, segundo os interesses imperialistas ocidentais, durante o processo de descolonização iniciado após o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Muitos povos e culturas particulares acabaram sendo reunidos dentro de países construídos artificialmente, se estabelecendo um governo único que, muitas vezes, não representavam todos os grupos étnicos existentes dentro dessas novas fronteiras. Como ocorreu na África, a delimitação das novas fronteiras uniu povos, e grupos étnicos, que não se identificavam com outros povos, de culturas e dialetos diferentes, dentro de um mesmo território e, assim, não tardaria a ocorrer conflitos e disputas de poder entre grupos e etnias acarretando em conflagrações prolongadas e perpétuas (KARNAL, 1994, 69p).
     No tabuleiro montado para delimitar essas fronteiras no Oriente Médio, com várias linhas ou faixas de fronteiras retilíneas feitas na forma de traçados, as grandes potências não poderiam deixar de instalar seus governos colaboradores. O mais colaborador desses estados, aos interesses ocidentais, seria a representação de um modelo de estado ocidental, uma vitrine do capitalismo estadunidense. Fundado em 1947, Israel teve o apoio incondicional dos EUA, para representar o capitalismo ocidental, diante da influência do socialismo soviético na região durante o período da Guerra Fria (1945-1989). Com interesses expansionistas, Israel se entregou ao militarismo para submeter os povos árabes construindo uma formidável máquina de guerra (Ver texto: Valsa com Bashir e a sombra de Sabra e Chatila). Em resposta ao militarismo israelense, os países vizinhos como Síria, Egito, Iraque, Líbano, Jordânia e, posteriormente, o Irã buscaram no armamentismo uma forma de resposta (KARNAL,1994, 69p). O Oriente Médio, assim, se transformou em uma região onde o comércio de armas se tornou um dos principais e mais lucrativos negócios para as grandes corporações produtoras de armamentos. A produção de petróleo fornece os recursos suficientes para os países se armarem constantemente (SAMPSON, 1982, 405p).
 
   O jornalista e historiador britânico Anthony Sampson em ‘’Os Vendedores de Armas’’ (Titulo original ''O Bazar de Armas''), investigou a escalada indiscriminada do fornecimento de armas em todo mundo, onde as grandes corporações se fazem valer das táticas como os favorecimentos a grupos políticos locais. A corrupção se tornou um grande recurso para os vendedores de armas que atuavam como representantes das corporações. Abarrotar o mundo de armas significava, sempre, enormes lucros não importando os riscos políticos e desconsiderando as rivalidades e instabilidades internas dos países. Essas instabilidades internas e conflitos externos são terrenos férteis a serem explorados para o comércio de armas em todo o mundo. Sampson atribui esse fenômeno a um ‘’colonialismo das armas’’ onde as potências exploram os países sem a utilização da força, destacando a situação de países da África Subsaariana, do Oriente Médio e da América Latina que, mesmo com graves problemas sociais, gastavam enormes recursos no setor militar (SAMPSON, 1982, 405p).
     No Oriente Médio, o Líbano, o Iraque e o Afeganistão são exemplos de países em constantes conflitos internos e rivalidades que acarretaram em instabilidades políticas e violência sectária e generalizada. A Síria foi um país, também, fundado em fronteiras artificialmente construídas segundo os interesses de franceses, estadunidenses e ingleses após 1945. Durante décadas, o país foi comandado por ditadores de uma mesma família que, com punhos de ferro, mantinham a unidade territorial e a estabilidade política no território o qual reúne pelo menos quatro grandes grupos étnicos (KARNAL, 1994, 69p). No entanto, o país se posicionou, nas últimas décadas, contra os interesses ocidentais por manter uma postura nacionalista, não-neoliberal e de hostilidade a Israel. A Síria, também, carrega o peso de ser, o governo do ditador sírio Bassar AL Assad, um importante aliado do Irã se colocando na esfera das hostilidades entre os EUA e Irã. O governo de Assad mantém laços com a comunidade Xiita e Alauíta, pois sua família pertence a esses grupos de populações islâmicas. Hoje essa mesma Síria mergulha em sangue. A guerra civil, iniciada em 2011, já pode ter matado 70 mil pessoas. Fica cada vez mais evidente o conflito entre os grupos xiitas e alauitas, que apóiam Assad, e os grupos sunitas (Outro grupo de populações islâmicas), os quais são representados pelos opositores que tentam derrubar o governo sírio.
   A história do Oriente Médio sempre foi marcada pela guerra e o comércio incessante de armas. A guerra civil na síria revela ao mundo a nova face do comércio internacional de artefatos bélicos. A Rússia e o Irã fornecem armas para o governo sírio, enquanto que armas dos EUA, França e Inglaterra estão chegando aos opositores via Barein e Arábia Saudita. Um conflito interno, que revela os choques entre etnias e culturas, que poderá se intensificar ainda mais. Ao apoiar os opositores, não se levam em conta que o governo de Assad tem o apoio de boa parte da população. Por outro lado, os grupos sunitas, que perderam o poder no Iraque, estão se unindo para tentar tomar o poder na Síria, o que dificilmente poderá ocorrer. A irresponsabilidade dos que interferem nesse conflito, armando algum dos lados, poderá intensificar e prolongar as hostilidades, como ocorreu no Líbano, onde a guerra civil durou de 1975 a 1989, se prolongando para o sul até 2000, sem haver vencedores.
   A guerra civil na Síria, é um exemplo da necessidade humana de superar o recurso da guerra, de superar essa mentalidade belicosa, pois as dimensões culturais dos países estão acima do poder político e não podem ser delimitadas por fronteiras (Visto que o conflito na Síria não se restringe apenas as suas fronteiras). No entanto, aparentemente, a Síria se coloca dentro de uma sombria realidade que opõe de um lado rivalidades locais, intensificadas após a invasão do Iraque pelos EUA, e de outro lado o choque entre novos imperialismos envolvendo as potências ocidentais, a Rússia e a China. A Síria, assim, poderá se tornar em um novo campo de testes de artefatos de destruição e morte nos novos jogos geopolíticos globais. No meio de tudo isso esta a população civil síria, os principais atingidos por toda essa tragédia, e o sofrimento desse povo pode estar apenas começando. A venda e o fornecimento de armas continuarão, unindo às rivalidades locais. Como afirma Anthony Sampson - ‘’Nunca se poderá controlar o comércio de armas a menos que se mude a mentalidade dos homens’’. Com a mentalidade de guerra que predomina na atualidade, é difícil prever como e até quando a tragédia síria prosseguirá. Pobre Síria. 
   O que podemos considerar, ao analisar guerras como essa, é a necessidade de superar os velhos antagonismos, criados para separar e definir os lados envolvidos nos conflitos atuais. Essa guerra, evidentemente, não se trata de uma luta de bons contra maus, nem moçinhos contra bandidos. Trata-se de um conflito desencadeado por rivalidades internas e culturais já existentes na Síria. O discurso da mídia ocidental, que associa a guerra á uma luta contra um governo ditatorial por grupos que desejam implantar uma democracia, não deve ser considerado como válido, pois não há uma tradição democrática na região. O modelo democrático burguês ocidental não corresponde as realidades culturais da grande maioria dos povos do Oriente Médio. Somente os povos dessa região devem decidir seus direcionamentos políticos. A interferência externa nessa região sempre foi marcada pela defesa de mesquinhos interesses políticos e econômicos, que só trouxeram dor e sofrimento a milhões de habitantes do Oriente Médio. A questão da mediocridade dos discursos midiáticos, com a apologia ao recurso militar, será apresentada ainda em outros textos.

Referências:
- KARNAL, LEANDRO. Oriente Médio. São Paulo. Editora Scipione, 1994. 69p.
-SAMPSON, ANTHONY. Os Vendedores de Armas. Rio de Janeiro: Record, 1982. 405p.
- Foto: A Guerra Civil na Síria. Disponível em:http://www.brasil247.com/pt/247/revista_oasis/85611/