quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

A Logística como perpetuação da guerra



‘’A um certo ponto, os grupos dirigentes precisam da crise bélica perpétua, para legitimar o seu papel, seus privilégios e suas prioridades, para silenciar o dissenso, para exercer a disciplina social e para desviar a atenção da evidente irracionalidade das operações’’. Edward Thompson

    A dimensão destrutiva das guerras nos últimos cem anos desperta perplexidade e fascínio tal a imensa evolução, constante e interrupta, dos sistemas de destruição. A maioria das pessoas avaliam a guerra em sua escalada e execução mesmo porque foram inúmeras as confrontações militares no último século. A curiosidade que desperta as guerras disfarçam, da maioria do público, a manutenção permanente de uma logística que alguns estudiosos atribuem como sendo a própria guerra em sua forma pura e perpétua. Sem dúvida, o militarismo se transformou em um fim para economia capitalista desde a Segunda Revolução Industrial iniciada ao final do séc. XIX sob a liderança dos EUA. Esse crescente militarismo contribuiu enormemente para expansão capitalista a partir de então e assegurou a hegemonia burguesa além de consolidar a reprodução ampliada do capital. Para avaliar as dimensões desse fenômeno, no início do século XX, entre os anos de 1901 a 1913, se gastava a nível mundial em torno de 4 bilhões de dólares por ano com armas. Em 1985, esse valor havia se multiplicado por no mínimo 200. Atualmente, os gastos militares situam-se em torno de 1,5 trilhões de dólares (SIPRI, 2011). No entanto, esse valor ainda pode ser subestimado, pois existem muitas despesas militares que são secretas e ficam estatisticamente disfarçadas sob outros rótulos: informações, segurança, pesquisas, etc (VESENTINI, 1987, p.58).
   No atual processo de globalização, sob o neoliberalismo, a logística da guerra permanece, como forma de intenso controle ideológico e militar da própria população, essas questões abordaremos em outro texto. Mas o que consiste essa logística de guerra? Como entender a sua permanência e origem? Há em torno de 1945-1950 uma declaração do pentágono: ‘’Logística é o procedimento segundo o qual o potencial de uma nação é transferido para suas forças armadas, tanto em tempos de paz como de guerra’’. Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) ficaria evidente que a capacidade logística dos aliados alterou os rumos do conflito. A logística pode ser entendida como a economia de guerra em substituição a economia política. A escalada de um conflito exige uma preparação envolvendo todos os recursos disponíveis de uma nação. O que pode definir um conflito, entre nações ou grupos, seria a capacidade de mobilização de recursos para atender aos esforços de guerra. Não basta apenas a mobilização de tropas ou armamentos em um conflito. Quando se arrastam milhões de homens para a guerra surge, com eles, o problema de subsistência, mas subsistência também não é tudo: logística não é só bóia, é transportes, munições, treinamento, etc. (LOTRIGUER, VIRÍLIO, 1984, p.24-25).

   A vitória dos aliados contra o Nazi-Fascismo, e o fim da Segunda Guerra Mundial, porém, não acarretaria um direcionamento para a paz mundial, muito pelo contrário, o mundo todo passou a viver sobre a sombra da Guerra Fria (1945-1989) e, como já nos referimos, ao estabelecimento do Complexo Industrial Militar. As ligações entre os industriais e os militares formaram esse complexo industrial nos EUA (Ver texto: ‘’A Ascensão do Estado Fortaleza’’).  O que passaria a marcar o mundo, a partir de então, seria a ênfase no poder de dissuasão e não mais na vitória pela guerra. Sendo assim, a corrida armamentista, e a preparação para a guerra, permaneceria como uma garantia para a paz (ARENDT, 2010, p.24). A explicação para essa mudança seria a produção em larga escala da ‘’arma final’’, representada pela arma nuclear. Com a bipolarização de poder mundial, entre EUA e URSS, não haveria possibilidade de se vencer guerras e se estabelecer o controle militar de uma potência sobre outra. EUA e a URSS poderia ser reduzidos a múltiplas camadas de entulhos, juntamente com todo o planeta, em caso de guerra total.
    A guerra total na sua execução, como percebemos, passa a ser inviável e rejeitada, pois seria o suicídio da humanidade. No entanto, a corrida armamentista, a preparação para a guerra e a ampliação da capacidade logística se acentuou. Mas qual seria a necessidade desse sistema? Como vemos, não importa qual seja a capacidade de mobilização de uma nação para a guerra, os 1,5 bilhão de habitantes da China poderiam ser reduzidos a pó pela força nuclear dos EUA ou da Rússia. Não há mais qualquer possibilidade de uma guerra de grandes proporções, entre potências, que poderia significar a vitória militar de algum lado. No entanto, o mundo passaria a viver sobre a sombra da logística, ou seja, na mobilização de recursos para a preparação e a produção de guerra. Os EUA, atualmente, mantém centenas de bases militares ao redor do mundo. Após os atentados de Onze de Setembro, as mobilizações militares dos EUA se intensificaram e os gastos militares do país superaram qualquer período anterior em sua história. Os integrantes da AL Qaeda, considerados pelos EUA os autores dos atentados, eram  um grupo de 4000 integrantes aproximadamente, e contra esse grupo se mobilizou toda uma gigantesca logística de guerra acabando por desembocar, como sabemos, nas desastrosas invasões do Afeganistão e do Iraque (HOBSBAWM, 2010, 182p).
   Através desses estudos podemos considerar que todas essas mobilizações, e as que já ocorreram ao longo de décadas, tem o propósito de manter a logística para a guerra em operação. As guerras, como as atuais, não acarretaram em um desfecho pela vitória. Ao contrário, essas intervenções, como as ocorridas no Iraque e no Afeganistão (Também na Coréia (1950-1953) e no Vietnã (1965-1973), entre outras) não resultaram em nenhuma vitória dos EUA. Essas guerras conduziram á um número enorme de vítimas civis e um grande desgaste político e econômico. O que se evidencia é não interesse por vitória alguma. O que aparentemente demonstra é a importância dessas intervenções para a sobrevivência desse sistema belicoso. As guerras, aliás, continuaram e continuam sendo estimuladas na periferia do planeta (Ver texto: ‘’Guerra aos mais fracos e vulneráveis). Mesmo nas áreas de conflito mais pobres (Como na miserável África Subsaariana) armas chegam, de alguma forma (Por venda direta ou indireta), sem dificuldades para abastecer ambos os lados. A guerra, sendo assim, permanece como sendo uma extensão da diplomacia (ARENDT, 2010, 167p).
   È necessário o entendimento que as potências militaristas mundiais precisam, periodicamente, testar seus novos experimentos bélicos. Por isso o envolvimento em guerras deve, de alguma forma, ocorrer com o propósito de não apenas testar novos armamentos, mas também demonstrar ao mundo as novas armas para possíveis futuros compradores. A permanência dessa preparação para a guerra exige uma base de fundamentação, um certo fundamentalismo. O filósofo Paul Virílio atribui esse fenômeno a uma forma de ‘’Guerra Santa’’ como o equivalente a ‘’Guerra Pura’’ ao considerar os esforços incessantes e o consumo intensivo de recursos para manter as engrenagens da guerra. Podemos associar tudo isso ao que o sociólogo e historiador Edward Thompson define como a perpetuação da ‘’Crise Bélica’’. Ou ainda podemos estabelecer alguma conexão com o geógrafo Milton Santos quando denomina o ‘’Império dos objetos’’. Não importa a forma como associamos, é importante a compreensão que o sistema econômico e político atual se apoiam nessas estruturas e, de certa forma, estabelecem o controle perpétuo sobre a sociedade civil.
  Todas essas questões, e várias outras, serão ainda apresentadas em outros textos sendo importante, e sugerida, a leitura dos textos anteriores. O propósito será sempre proporcionar uma abordagem que possa contribuir para o entendimento da questão bélica. Lembrando que, dado à dinâmica e a complexidade das sociedades humanas, nosso objetivo, nesse blog, será de apresentar as reflexões dos diversos autores de todas as áreas das ciências humanas e do jornalismo investigativo. Todas as formas de abordagens podem oferecer elementos para os nossos estudos, mas, dado a enorme pluralidade social e cultural dos povos, é impossível uma explicação total e definitiva de todas as questões. Mas podemos ter uma aproximação, através desses estudos e de novas abordagens, da realidade política, econômica e social que vivenciamos hoje. O que podemos considerar, e pode ser claro a todos, é que a guerra, e a sua preparação intensiva, é a evidência mais precisa e máxima da decadência e do declínio da racionalidade humana. A história recente demonstra que preparação para a guerra nunca garantiu nenhuma segurança efetiva e suficiente, se é que se possa garantir, a qualquer população da terra seja qual for a sua localidade. Esse sistema apenas mantém os aparatos ideológicos de dominação e perpetua a supremacia e poder de certos grupos distintos sobre a população civil. Não podemos deixar de considerar a forma em que a própria sociedade civil é conduzida a apoiar tudo isso, o qual estudaremos em outros textos.
Referências:
HANNAH, ARENDT. Sobre a Violência. Editora Civilização Brasileira. Rio de janeiro. 2010. 168 p.
HOBSBAWM, ERIC. Globalização, Democracia e Terrorismo. O Terror. Ed. Companhia das letras. São Paulo, p.121-138. 2010.
SIPRI YEARBOOK 2011. Instituto Internacional de Pesquisas da Paz de Estocolmo. Disponível em WWW.SIPRI.ORG
VESENTINI, JOSÉ WILLIAM. Imperialismo e Geopolítica Global. Geopolítica e geoestratégia internacional. Ed. Papirus. Campinas, p. 55-87. 1987.
VIRILO, PAUL; LOTRINGER, SYLVERE. Guerra Pura – A militarização do cotidiano. Editora Brasiliense. São Paulo, 1984. 158p.
Fotos: Defesa Net. Função logística e Contratos. Disponível em: http://www.defesanet.com.br/terrestre/noticia/7428/Funcao-Logistica-Contratos-%E2%80%93-Um-Vies-Civil-para-Questoes-Belicas, acesso em: 11/12/12.