‘’A
um certo ponto, os grupos dirigentes precisam da crise bélica perpétua, para
legitimar o seu papel, seus privilégios e suas prioridades, para silenciar o dissenso,
para exercer a disciplina social e para desviar a atenção da evidente
irracionalidade das operações’’. Edward Thompson
A dimensão destrutiva das guerras nos últimos
cem anos desperta perplexidade e fascínio tal a imensa evolução, constante e
interrupta, dos sistemas de destruição. A maioria das pessoas avaliam a guerra
em sua escalada e execução mesmo porque foram inúmeras as confrontações
militares no último século. A curiosidade que desperta as guerras disfarçam, da
maioria do público, a manutenção permanente de uma logística que alguns
estudiosos atribuem como sendo a própria guerra em sua forma pura e perpétua. Sem
dúvida, o militarismo se transformou em um fim para economia capitalista
desde a Segunda Revolução Industrial iniciada ao final do séc. XIX sob a
liderança dos EUA. Esse crescente militarismo contribuiu enormemente para
expansão capitalista a partir de então e assegurou a hegemonia
burguesa além de consolidar a reprodução ampliada do capital. Para avaliar as
dimensões desse fenômeno, no início do século XX, entre os anos de 1901 a 1913,
se gastava a nível mundial em torno de 4 bilhões de dólares por ano com armas. Em 1985, esse valor havia se multiplicado por no mínimo 200. Atualmente, os
gastos militares situam-se em torno de 1,5 trilhões de dólares (SIPRI, 2011). No entanto, esse valor ainda pode ser subestimado, pois existem muitas despesas
militares que são secretas e ficam estatisticamente disfarçadas sob outros
rótulos: informações, segurança, pesquisas, etc (VESENTINI, 1987, p.58).
No atual processo de globalização, sob o
neoliberalismo, a logística da guerra permanece, como forma de intenso controle
ideológico e militar da própria população, essas questões abordaremos em outro
texto. Mas o que consiste essa logística de guerra? Como entender a sua
permanência e origem? Há em torno de 1945-1950 uma declaração do pentágono: ‘’Logística é o procedimento segundo o qual o
potencial de uma nação é transferido para suas forças armadas, tanto em tempos
de paz como de guerra’’. Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945)
ficaria evidente que a capacidade logística dos aliados alterou os rumos do
conflito. A logística pode ser entendida como a economia de guerra em
substituição a economia política. A escalada de um conflito exige uma
preparação envolvendo todos os recursos disponíveis de uma nação. O que pode
definir um conflito, entre nações ou grupos, seria a capacidade de mobilização
de recursos para atender aos esforços de guerra. Não basta apenas a mobilização
de tropas ou armamentos em um conflito. Quando se arrastam milhões de homens
para a guerra surge, com eles, o problema de subsistência, mas subsistência
também não é tudo: logística não é só bóia, é transportes, munições,
treinamento, etc. (LOTRIGUER, VIRÍLIO, 1984, p.24-25).
A
vitória dos aliados contra o Nazi-Fascismo, e o fim da Segunda Guerra Mundial,
porém, não acarretaria um direcionamento para a paz mundial, muito pelo
contrário, o mundo todo passou a viver sobre a sombra da Guerra Fria
(1945-1989) e, como já nos referimos, ao estabelecimento do Complexo Industrial
Militar. As ligações entre os industriais e os militares formaram esse complexo
industrial nos EUA (Ver texto: ‘’A Ascensão do Estado Fortaleza’’). O que passaria a marcar o mundo, a partir de
então, seria a ênfase no poder de dissuasão e não mais na vitória pela guerra. Sendo assim, a corrida armamentista, e a preparação para a guerra, permaneceria como
uma garantia para a paz (ARENDT, 2010, p.24). A explicação para essa mudança
seria a produção em larga escala da ‘’arma final’’, representada pela arma
nuclear. Com a bipolarização de poder mundial, entre EUA e URSS, não haveria possibilidade
de se vencer guerras e se estabelecer o controle militar de uma potência sobre
outra. EUA e a URSS poderia ser reduzidos a múltiplas camadas de entulhos,
juntamente com todo o planeta, em caso de guerra total.
A guerra total na sua execução, como percebemos, passa a
ser inviável e rejeitada, pois seria o suicídio da humanidade. No entanto, a
corrida armamentista, a preparação para a guerra e a ampliação da capacidade
logística se acentuou. Mas qual seria a necessidade desse sistema? Como vemos,
não importa qual seja a capacidade de mobilização de uma nação para a guerra,
os 1,5 bilhão de habitantes da China poderiam ser reduzidos a pó pela força
nuclear dos EUA ou da Rússia. Não há mais qualquer possibilidade de uma guerra
de grandes proporções, entre potências, que poderia significar a vitória
militar de algum lado. No entanto, o mundo passaria a viver sobre a sombra da
logística, ou seja, na mobilização de recursos para a preparação e a produção
de guerra. Os EUA, atualmente, mantém centenas de bases militares ao redor do
mundo. Após os atentados de Onze de Setembro, as mobilizações militares dos EUA
se intensificaram e os gastos militares do país superaram qualquer período
anterior em sua história. Os integrantes da AL Qaeda, considerados pelos EUA os
autores dos atentados, eram um grupo de 4000 integrantes aproximadamente, e contra
esse grupo se mobilizou toda uma gigantesca logística de guerra acabando por
desembocar, como sabemos, nas desastrosas invasões do Afeganistão e do Iraque
(HOBSBAWM, 2010, 182p).
Através desses estudos podemos
considerar que todas essas mobilizações, e as que já ocorreram ao longo de
décadas, tem o propósito de manter a logística para a guerra em operação. As
guerras, como as atuais, não acarretaram em um desfecho pela vitória. Ao
contrário, essas intervenções, como as ocorridas no Iraque e no Afeganistão
(Também na Coréia (1950-1953) e no Vietnã (1965-1973), entre outras) não resultaram em nenhuma vitória dos EUA. Essas guerras conduziram á um número enorme
de vítimas civis e um grande desgaste político e econômico. O que se evidencia
é não interesse por vitória alguma. O que aparentemente
demonstra é a importância dessas intervenções para a sobrevivência desse
sistema belicoso. As guerras, aliás, continuaram e continuam sendo estimuladas
na periferia do planeta (Ver texto: ‘’Guerra aos mais fracos e vulneráveis). Mesmo
nas áreas de conflito mais pobres (Como na miserável África Subsaariana) armas
chegam, de alguma forma (Por venda direta ou indireta), sem dificuldades para
abastecer ambos os lados. A guerra, sendo assim, permanece como sendo uma
extensão da diplomacia (ARENDT, 2010, 167p).
È necessário o entendimento que as potências
militaristas mundiais precisam, periodicamente, testar seus novos experimentos
bélicos. Por isso o envolvimento em guerras deve, de alguma forma, ocorrer com
o propósito de não apenas testar novos armamentos, mas também demonstrar ao
mundo as novas armas para possíveis futuros compradores. A permanência dessa
preparação para a guerra exige uma base de fundamentação, um certo
fundamentalismo. O filósofo Paul Virílio atribui esse fenômeno a uma forma de
‘’Guerra Santa’’ como o equivalente a ‘’Guerra Pura’’ ao considerar os esforços
incessantes e o consumo intensivo de recursos para manter as engrenagens da
guerra. Podemos associar tudo isso ao que o sociólogo e historiador
Edward Thompson define como a perpetuação da ‘’Crise Bélica’’. Ou ainda podemos
estabelecer alguma conexão com o geógrafo Milton Santos quando denomina o
‘’Império dos objetos’’. Não importa a forma como associamos, é importante a
compreensão que o sistema econômico e político atual se apoiam nessas
estruturas e, de certa forma, estabelecem o controle perpétuo sobre a sociedade
civil.
Todas essas questões, e várias outras, serão
ainda apresentadas em outros textos sendo importante, e sugerida, a leitura dos textos
anteriores. O propósito será
sempre proporcionar uma abordagem que possa contribuir para o entendimento da
questão bélica. Lembrando que, dado à dinâmica
e a complexidade das sociedades humanas, nosso objetivo, nesse blog, será de
apresentar as reflexões dos diversos autores de todas as áreas das ciências
humanas e do jornalismo investigativo. Todas as formas de abordagens
podem oferecer elementos para os nossos estudos, mas, dado a enorme pluralidade
social e cultural dos povos, é impossível uma explicação total e definitiva de
todas as questões. Mas podemos ter uma aproximação, através desses estudos e de
novas abordagens, da realidade política, econômica e social que vivenciamos
hoje. O que podemos considerar, e pode ser claro a todos, é que a guerra, e
a sua preparação intensiva, é a evidência mais precisa e máxima da decadência e
do declínio da racionalidade humana. A história recente demonstra que
preparação para a guerra nunca garantiu nenhuma segurança efetiva e suficiente,
se é que se possa garantir, a qualquer população da terra seja qual for a sua
localidade. Esse sistema apenas mantém os aparatos ideológicos de dominação e
perpetua a supremacia e poder de certos grupos distintos sobre a população
civil. Não podemos deixar de considerar a forma em que a própria sociedade
civil é conduzida a apoiar tudo isso, o qual estudaremos em outros textos.
Referências:
HANNAH,
ARENDT. Sobre a Violência. Editora
Civilização Brasileira. Rio de janeiro. 2010. 168 p.
HOBSBAWM,
ERIC. Globalização, Democracia e
Terrorismo. O Terror. Ed. Companhia das letras. São Paulo, p.121-138. 2010.
SIPRI YEARBOOK 2011.
Instituto Internacional de Pesquisas da Paz de Estocolmo. Disponível em WWW.SIPRI.ORG
VESENTINI,
JOSÉ WILLIAM. Imperialismo e Geopolítica
Global. Geopolítica e geoestratégia internacional. Ed. Papirus. Campinas,
p. 55-87. 1987.
VIRILO,
PAUL; LOTRINGER, SYLVERE. Guerra Pura –
A militarização do cotidiano. Editora Brasiliense. São Paulo, 1984. 158p.
Fotos:
Defesa Net. Função logística e Contratos. Disponível em: http://www.defesanet.com.br/terrestre/noticia/7428/Funcao-Logistica-Contratos-%E2%80%93-Um-Vies-Civil-para-Questoes-Belicas,
acesso em: 11/12/12.