‘’Tudo o que Israel tem feito nos últimos
cinqüenta anos não é, claro, conseguir sua segurança’’.Edward.W.Said
Nos textos anteriores levantamos alguns questionamentos sobre a
tecnologia militar, a supremacia da maquina de guerra e o, conseqüente,
declínio da política. As relações do poder militar tecnológico com o sistema
global neoliberal atual ainda discutiremos em outros textos. No texto desse mês, não poderia deixar de relembrar um episodio trágico e brutal ocorrido em 1982
para levantarmos algumas questões sobre a situação atual dos israelenses e
palestinos. No dia 16 de setembro completará os trinta anos dos
massacres ocorridos nos campos de refugiados palestinos de Sabra e Chatila em Beirute,
capital do Líbano, durante a invasão e a ocupação israelense do país naquele
ano. Há muito tempo esquecido pela comunidade internacional, esse massacre foi
considerado um ato de genocídio, mas ninguém foi julgado ou condenado por
nenhum tribunal internacional. Em 2009 coube ao israelense Ari Folman, diretor
e produtor de filmes, trazer a tona as lembranças dos terríveis massacres de
civis palestinos ocorridos naquele conflito. Ex- combatente israelense nessa
guerra, Folman produziu o filme documentário em animação ‘’Valsa com Bashir’’ que relata a invasão do Líbano do ponto de vista
de vários israelenses participantes do conflito. O filme é um importante
documento histórico, e em certo momento o israelense faz uma relação dos
massacres dos palestinos, ocorridos nos campos, com o massacre dos judeus pelos
nazistas durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). O diretor israelense levanta uma reflexão moral sobre os eventos ocorridos naquele ano de
1982 os quais, na época, provocaram forte indignação até entre boa parte da
população israelense.
Parte da história da guerra é relatada no
filme documentário. Os fatos narrados terminam na consumação do massacre com fortes
cenas reais. No dia 16 de setembro de 1982, os milicianos
cristãos da Falange (grupo guerrilheiro que combatiam a guerrilha muçulmana),
aliados de Israel, invadiram os campos de refugiados palestinos para,
supostamente, procurar terroristas que alegavam estar escondidos no local.
A área estava sobre o controle das forças israelenses e permitiram a invasão
dos milicianos mesmo não havendo mais combatentes palestinos nos campos e
somente a população civil. O que se seguiu foi um episodio cruel e macabro.
Durante mais de 50 horas, os milicianos barbarizaram os civis palestinos
indiscriminadamente. Relatos dos sobreviventes e de jornalistas que
conseguiram, posteriormente, adentrar nos campos dão conta do horror. As execuções sumárias foram acompanhadas de mutilações, decapitações e
estupros. Homens tiveram ferimentos em forma de cruz cravados no abdômen,
crianças, idosos e até bebês foram mortos a tiros ou a facadas. O numero de
palestinos mortos nunca foi totalmente contabilizado, mas podem ter
ultrapassado os três mil e quinhentos.
A barbárie ocorreu como consumação de um plano de vingança pelo
assassinato do líder dos cristãos Bashir Gemayel, ocorrido cinco dias antes. Os milicianos atribuíram as suspeitas (Nunca confirmada) a terroristas palestinos. A omissão das forças israelenses diante das atrocidades ficou
evidente, inclusive, mantiveram os campos iluminados a noite por artefatos
luminosos para os milicianos completar seus ‘’trabalhos’’ e tinham ampla visão do que ocorria na área. Os comandantes israelenses sabiam da ocorrência de um massacre, mas nada fizeram para evitar a barbárie denunciado no próprio documentário produzido por Folman. Os eventos ocorridos
provocariam a demissão do ministro da defesa Ariel Sharon considerado o
arquiteto da invasão do Líbano e comandante das forças israelenses estacionadas
em Beirute. Ninguém foi condenado ou mesmo julgado por crimes contra a humanidade e a tragédia permaneceu impune (MONTENEGRO, 2012). Os penalizados por essa desastrosa
invasão (Além de potencializar o sofrimento dos palestinos) seria a própria
sociedade civil israelense.
Israel é um país que, ao longo de sua historia, desenvolveu uma
formidável maquina de guerra possuindo a melhor força aérea do mundo, um exército
poderoso e moderno além de um arsenal de armas nucleares de, aproximadamente, 200 ogivas. A invasão do Líbano alcançou seu principal objetivo que era
aniquilar ou expulsar a Organização para Libertação da Palestina – OLP do
Líbano, mas para atingir seu outro objetivo de instalar um governo cristão
no país, com o apoio dos EUA, culminou em completo fracasso. Ao utilizar o
recurso militar contra a OLP, Israel deixou de lado a opção diplomática sendo retomada em 1993 com o acordo de paz de Oslo. O acordo acarretaria no
reconhecimento mútuo entre ambos a OLP e Israel, e a concessão de autonomia
das autoridades palestinas sobre a faixa de gaza e parte da Cisjordânia. Como
se observa, os desastres e massacres em Sabra e Chatila poderiam ter
sido evitados pela diplomacia no lugar da opção militar. Apesar do fracasso prático
desse acordo ele significou, ao menos, a presença de uma possibilidade de
conciliação entre os dois povos (BARSAMIAN, SAID, 2006, 227p).
Essa conciliação, ainda possível, é defendida pelo intelectual palestino
Edward. W. Said. Said vai além de defender a ideia da formação do Estado
palestino, ele propõe um estado bi-nacional através de uma conciliação no
modelo que acabou com o regime do Apartheid na África do Sul. Essa realidade
parece distante na medida em que Israel, através de seus dirigentes
conservadores, ainda deposita a confiança na sua poderosa máquina de guerra.
Segundo Said, Israel é um estado suicida seguindo nessa mesma
trajetória política. A invasão do Líbano em 1982, e a expulsão da OLP, provocaram a
união entre milícias muçulmanas xiitas que estavam desorganizadas. Naquele
mesmo ano surge o Hezbollah e, segundo o seu líder atual Hassan Nasrallah,
dificilmente o grupo teria surgido se não fosse à invasão israelense. O Hezbollah
inaugurou a tática poderosa do emprego dos ‘’voluntários da morte’’, mais
conhecidos como Homens Bombas, na região. Após explodir as forças dos EUA e
da França, que estavam instaladas no país sob a bandeira das Nações Unidas em
1983 e provocar suas retiradas, o grupo passou a combater e a tornar
insustentável a presença das forças israelenses no Líbano diante da opinião
publica do país. Israel acabou por se retirar para o sul do país em 1985, e
completou sua retirada total do Líbano em 2000 (BARSAMIAN, SAID, 2006, 227p).
Atualmente é evidente que, após os resultados da guerra entre Israel e o
Hezbollah em 2006, Israel pagara um preço muito alto por uma guerra ou invasão em larga
escala do Líbano. O Hezbollah multiplicou seus contingentes e estoques de
mísseis e armas próximos a fronteira de Israel, e existe o temor considerável que
o grupo se arme com um arsenal de armas ainda mais poderosas (Como armas químicas
e biológicas) podendo ser utilizadas contra Israel em um conflito futuro.
Quanto aos palestinos, Israel ainda insiste em mante-los sobre estado de sítio,
mas por quanto tempo? Segundo Said, em 2030 haverá o dobro de árabes do que
judeus no Estado de Israel. Sendo assim, seria muito improvável que o pais
poderia continuar a manter essa política baseada no uso da força de acordo com
o modelo do Apartheid na África do Sul. Nem mesmo naquele país sul africano,
com um território vinte vezes maior do que Israel, isso foi possível. Não há
outra opção para Israel a não ser negociar a paz real, pois não se pode impor
uma paz do mais forte sobre o mais fraco por muito tempo. Agregado a isso, se
utiliza de um sistema semelhante ao empregado pelas elites do nordeste
brasileiro para o domínio da população civil – a pobreza (70% dos palestinos
sobrevivem com o equivalente a dois dólares por dia). A situação de miséria
constitui o maior obstáculo para qualquer possibilidade de paz, e estimulam
muitos palestinos a resistir com os meios que possuem como única opção
possível (BARSAMIAN, SAID, 2006, 227p).
Quanto ao massacre de Sabra e Chatila, a história demonstra que, mesmo
permanecendo impune, as conseqüências dessas ações estão hoje presentes
despertando reflexões sobre os direcionamentos políticos possíveis para o
futuro. O israelense Ari Folman além de nos apresentar uma reflexão moral sobre
os massacres, mostra a guerra do Líbano em todo o seu horror. Valsa com Bashir
é um filme diferente de outros, pois, segundo Folman, mostra a guerra em uma dimensão real diferente de muitos filmes de guerra dos EUA, onde se mostra
os horrores da guerra, mas que todos acabam considerando o soldado do filme
legal, companheiro, honrado e herói e não existe nada disso numa guerra. Na
guerra existe o horror e nada mais. Quanto a Israel, o país existe como nação.
Mesmo que muitos árabes não o reconheçam Israel existe, é uma realidade. É
evidente que buscar o reconhecimento necessário para garantir a paz em Israel
dependera de sua política e não de sua maquina de guerra. Os israelenses não
podem continuar a entregar o seu futuro político nas mãos da truculência
conservadora de líderes como Ariel Sharon. Mas o mais importante é reconhecer
que muitos israelenses, como Folman, reconhecem que há outras possibilidades possíveis
que não seja o flagelo da guerra. Como afirma Edward Said: ‘’Mais israelenses tem entendido que Israel,
apesar de sua enorme força militar-econômica e poder político, esta mais sem segurança
do que nunca’’ (BARSAMIAN, SAID, 2006, p.87).
Mas
qual é a solução? Sabemos que o Oriente Médio não esta reduzido a guerras e
conflitos. Trata-se de uma região com enormes diversidades e riquezas culturais.
As culturas árabes e judaicas são patrimônios da humanidade. Ambos os povos podem ser superiores as políticas
belicosas disseminadas e exacerbadas pelos interesses do grande capital global e amparadas pela grande mídia. As perspectivas
para a paz deve se direcionar a superação dessa política hostil que atrofia o
desenvolvimento de toda a região. No entanto, Israel continua com sua atitude
suicida, ou seja, cercado de inimigos e ameaçando ampliar as hostilidades com
as ameaças de ataque ao Irã, mesmo com a escalada do conflito na Síria podendo desestabilizar
e ampliar os riscos políticos na região. Suicida por que os inimigos de Israel já
provaram estar dispostos a lutar até a morte. Mas Israel ainda tem chances de
começar a construir a paz efetiva. Muitos israelenses pensam diferente e isso deve
ser entendido por todos, mas é necessário uma mobilização popular para que as
mudanças possam ocorrer em qualquer parte do mundo. Os israelenses podem
decidir em continuar a viver em fortificações ou a trabalhar pela paz, antes
que Israel pareça ser um lugar que se possa afirmar ser insuportável viver.
Referencias:
- BARSAMIAN, DAVID; SAID, EDWARD.W. Cultura e Resistência. Ed. Ediouro. Rio
de janeiro, 2006, 227p.
- Folha On Line. Carolina Montenegro. Massacre de palestinos no Líbano completa 30 anos sem punições.Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/1156808-massacre-de-palestinos-no-libano-completa-30-anos-sem-punicoes.shtml. Acesso em 21/09/2012.
- VALSA
COM BASHIR (VALS IM BASHIR). Direção:
Ari Folman. Produção: Serge Lalou,
Ari Folman, Roman Paul, Yael Nahlieli, Gerhard Meixner. 2008. 90 min. Color.
Trailler : http://www.youtube.com/watch?v=Ak_2NWhr_g4,
Fotos:
- Fime, documentário, disponível em: http://blog.meiapalavra.com.br/2012/03/20/valsa-com-bashir-ari-folman-e-david-polonsky/. Acesso em 30/08/2012.
- Fime, documentário, disponível em: http://blog.meiapalavra.com.br/2012/03/20/valsa-com-bashir-ari-folman-e-david-polonsky/. Acesso em 30/08/2012.
- Massacre.http://rebstein.wordpress.com/2007/09/16/per-non-dimenticare-sabra-e-chatila/. acesso em 30/08/2012.