sexta-feira, 3 de agosto de 2012

A Herança da Irracionalidade Exterminista




       ‘’As armas e os sistemas de armas nunca são politicamente neutros.’’ Edward Thompson

   As abordagens dos principais estudiosos da questão bélica continuarão a ser apresentadas por mim nesse blog na forma de diálogos, pois considero ser de fundamental importância a comparação das opiniões que podem contribuir para o entendimento da crise bélica atual. Os textos dos autores são bastante atuais na medida que nos aprofundamos nas nossas investigações, pois o movimento da máquina de guerra mundial prossegue sem qualquer forma de oposição que possa significar alterações em suas estruturas. Os gastos militares prosseguem praticamente inalterados amparados pela incessante apologia ao recurso político militar. No momento em que escrevo esse texto ocorrem 42 guerras abertas no mundo além de trezentos e quarenta e cinco focos de conflito que podem desencadear em combates, segundo o Instituto para pesquisas da Paz de Estocolmo – SIPRI, (SIPRI, 2012).
   A economia permanente de guerra, como já estudamos, se consolidou com a tensão militar em constante ao ponto de submeter à tecnologia de ponta ao seu total controle. O desenvolvimento militar, desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), prosseguiu atraindo cada vez mais investimentos e a tecnologia da aniquilação passou a adquirir uma dimensão política impondo sua lógica irracional exterminista. A tecnologia militar direciona a humanidade a destruição total, pois esse é o seu movimento. A ciência do apocalipse se impulsionou impondo a sua própria política e o mundo passou a acumular artefatos de destruição de tal forma que seria suficiente para destruir dezenas de planetas como a terra. Os arsenais nucleares desenvolvidos pelos EUA e pela ex-URSS eram de 6500 em 1960, passando a 14200 em 1979 e chegaram a 24000 ogivas em 1985. Esse impulso ao exterminismo desafia a racionalidade gerando, dentro de si mesmo, um sistema de modernização e experimentação continua. Se por um lado a presença das armas inibiu um embate final, que levaria a extinção da humanidade, por outro lado ela significou a supremacia da máquina de guerra e de sua lógica irracional, além do direcionamento ao fracasso e a desmoralização da política internacional.
    Mas então a que se reduziu a política internacional? Para o historiador Edward Thompson, a própria política pode se direcionar a militarização: ‘’Os armamentos, certamente, são coisas. Seu incremento não é independente de decisões políticas. A política, ela mesma, pode ser militarizada: e as decisões sobre o armamentismo impõem hoje as escolhas políticas de amanhã. Os armamentos assim se revela, são também agentes políticos.’’'(THOMPSOM, p.24, 1985). Para o filósofo Paul Virilio, a máquina de guerra mundial eliminou a guerra política. Dessa forma, a guerra passa a ser conduzida na transpolítica, o que ele denomina como o começo do fim do político. Isso significa que diante da presença de uma gigantesca capacidade militar dissuasiva, o debate político se enfraquece e se esvazia, o que ocupa o seu lugar é a irracionalidade das armas e o caminho aberto para o Terrorismo de Estado. Ele mesmo, o Estado, passa a ser terrorista. A tecnologia bélica assim dita sua própria lei como agentes políticos. (VIRILIO, LOTRINGER, 1984, p.36).
    Observamos na atualidade que o poderio tecnológico militar permanece como alternativa política, e a estrutura da máquina de guerra se perpetua. Os debates políticos são insuficientes para evitar os conflitos e a própria concepção política baseada no diálogo, na dialética e na reflexão muitas vezes se torna impotente e inútil. O extraordinário poderio militar de várias nações os direcionam ao conflito e ao desprezo pela paz. Na realidade permanecem sobre a sombra da alternativa militar submetidos ao movimento da máquina de guerra consumidora de seus recursos. Como afirma Thompson, os sistemas de armas despreza a paz e a negociação tornando as opções políticas cada vez mais implausíveis. A continuidade de conflitos em diversas regiões do planeta demonstram que a tecnologia militar superior, de algum lado, alimenta a ilusão de vantagem e, na maioria das vezes, aniquila o próprio momento da política diminuindo as perspectivas para a paz efetiva entre os povos (THOMPSON, 1985, p.15-57).
     A herança do sistema exterminista continua predominante. Sua irracionalidade destrutiva permanece nos sistemas dissuasivos atuais. Aniquilando o momento da política, a sociedade atual insiste em conduzir as suas soluções políticas aos militares cujas racionalidades totais são da guerra. Assim, como os arsenais nucleares do passado, a máquina de guerra atual, altamente tecnológica, erode continua e constantemente a brecha onde se poderia utilizar alguma opção política. A ‘’Guerra ao Terror’’ dos EUA, as desastrosas invasões do Iraque e do Afeganistão, a perpetuação do conflito Árabe-Israelense e o empenho incessante das potências ocidentais em levar à Síria a uma trágica conflagração total, são alguns dos exemplos que podemos comparar, mas as conseqüências para a humanidade são ainda mais onerosas, pois significa o predomínio da racionalidade pelas armas em substituição a racionalidade política. Sendo assim, o militarismo mundial segue cada vez mais agressivo e a guerra passa a ser possível como resultado das políticas iniciadas pelas minorias irresponsáveis – as elites. A máquina de guerra mundial continua sendo a fonte de privilégios de uma minoria que detém uma riqueza estratosférica como os 1% mais ricos da população dos EUA, o que será estudado em um outro texto.

Referências:

THOMPSON, EDWARD. Notas Sobre o Exterminismo, o Estágio Final da Civilização. Coletânea de textos: Exterminismo e Guerra Fria. Editora Brasiliense. São Paulo. 1985, p. 15-57.
VIRILO, PAUL; LOTRINGER, SYLVERE. Guerra Pura – A militarização do cotidiano. Editora Brasiliense. São Paulo, 1984. 158p.
SIPRI YEARBOOK 2011, Instituto internacional de pesquisas da paz de Estocolmo. Disponível em WWW.SIPRI.ORG
Foto: Teste nuclear com a bomba de Hidrogênio. disponível em: http://www.grupoescolar.com/pesquisa/armas-nucleares.html. Acesso em 01/08/2012.