domingo, 22 de janeiro de 2012

O Ambíguo discurso dos EUA em defesa da liberdade e da democracia


  

   A imagem desse texto é um importante documento histórico registrando o encontro do então secretário de defesa dos EUA Donald Rumsfeld no governo Reagan (1981-1989) com o ditador iraquiano Saddam Hussein em 1983. Naquele contexto histórico, o Iraque foi até o final da década de 1980 um importante aliado dos EUA no Oriente Médio contra seu adversário político - o Irã. O governo iraquiano estava, nesse período, em guerra contra os iranianos. Os EUA, França, Reino Unido, a URSS e até o Brasil,  obtinham grandes somas de lucros com o fornecimento de armas para esse país. O Irã comprava armas das potências e, indiretamente, adquiriu armamentos até dos EUA no episódio que ficou conhecido como escândalo Irã-Contras (A venda secreta de armas para o Irã e o repasse dos lucros para os guerrilheiros contra-revolucionários que lutavam contra o governo sandinista na Nicarágua). E assim, enquanto o Iraque e o Irã se destruíam mutuamente, prevalecia um verdadeiro bazar de armas na região como ainda é atualmente.
      No início da década de 1990, o ditador Saddam Hussein passou a não corresponder mais aos interesses políticos e econômicos dos EUA. Saddam já não era mais colaborador e sim opositor, e passou a ser cassado até a sua deposição, prisão e execução. O mesmo Donald Rumsfeld foi o secretário de defesa do governo de George.W.Bush (2001-2009) e, nesse contexto, as relações entre o Iraque e os EUA estavam totalmente opostas. Rumsfeld foi um dos arquitetos da invasão do Iraque em 2003 sendo uma das propostas da invasão à possibilidade de levar democracia e liberdade ao Iraque, e acabar com uma ditadura tirana e corrupta que oprimia a população iraquiana. Mas o Iraque não foi aliado dos EUA nos anos de 1980? O Iraque era democrático naquele período? Evidentemente que não. Sabemos, também, que, a Arábia Saudita, o Kuwait, o Barein, os Emirados Árabes Unidos, entre outros, não são democráticos, mas são aliados dos EUA na atualidade.
   Acusar governos ditatoriais pela falta de democracia e, ao mesmo tempo, apoiar governos ditatoriais e antidemocráticos faz parte do caráter ambíguo da política estadunidense. O que interessa aos EUA é ter governos colaboradores não importando se democráticos ou não. Isso demonstra a característica conservadora que persiste na política dos EUA historicamente, e o atual governo de Barack Obama mantém a mesma postura política no cenário internacional. A invasão do Iraque foi uma dos conflitos mais brutais da história recente, nele foi testado e empregado os mais modernos e avançados equipamentos e artefatos convencionais de destruição e morte existentes. Para o melhor entendimento da utilização do discurso em favor da democracia e seu caráter ambíguo, vou apresentar um pequeno artigo que tive participação na sua produção juntamente com meu orientador o professor Francisco das Chagas Nascimento Junior, doutorando em Geografia pela Universidade do Estado de São Paulo – UNESP. Esse texto foi publicado no jornal A Tribuna Piracicabana, edição 9.690, em 20 de setembro de 2011 :
    ‘’De acordo com o dicionário da língua portuguesa Houaiss, o termo ambíguo é empregado para designar aquilo que tem (ou pode ter) diferentes sentidos; refere-se a algo que desperta dúvidas, incertezas, que admite interpretações diversas e até contrárias. Ao considerarmos essa acepção podemos admitir que um ente qualquer, seja uma pessoa, empresa ou mesmo um estado pode ter comportamentos que permitam duas ou mais interpretações sem que, no entanto, essa ambigüidade possa representar a existência de incoerências e contradições internas ao ser. No âmbito da política nacional e, especialmente, na esfera das relações internacionais, é comum observarmos a elaboração de discursos, que, na prática, se opõem aos comportamentos rotineiros dos próprios agentes que o proferiram. Aliás, não é estranho observarmos as grandes potências de nosso tempo defender valores e princípios considerados universais, como a liberdade individual e a igualdade entre os povos, mas freqüentemente negar alguns desses princípios para defender seus interesses particulares na esfera internacional.
    Hoje, o mundo assiste atônito o ganhador do premio Nobel da paz de 2009, o presidente dos EUA, Barack Obama, continuar a mesma política opressiva e intervencionista de ‘’Guerra ao Terror’’ concebida pelo seu antecessor, George.W. Bush. Defendendo a legitimidade das ações estadunidenses, o presidente comemorou o assassinato do ex-líder da Al-Qaeda, Osama Bin Laden, ocorrida em dois de maio de 2011 – uma ação realizada unilateralmente, sem qualquer consentimento prévio do governo paquistanês. A aprovação pelo governo e pela sociedade estadunidense da política de ‘’Guerra ao Terror’’ logo após os históricos atentados de 11/09/2011, foi um evento que exacerbou a ambigüidade do discurso estadunidense em defesa da liberdade e da democracia. A suspensão, mesmo que provisória, de direitos civis, o cerceamento das liberdades individuais de suspeitos de associação com o terrorismo, a autorização concebida pelo congresso estadunidense as forças armadas para que essa pudesse combater grupos terroristas em qualquer lugar do mundo, mostrou mesmo o caráter autoritário dessa potência no plano internacional, negando valores como a liberdade e a democracia, reiteradamente evocada como símbolos daquela sociedade.
   Aliás, desde a instauração da chamada ‘’Guerra ao Terror’’ vemos ações militares estadunidenses serem justificadas como um meio necessário para garantir a segurança dos seus cidadãos e assegurar os direitos a ‘’liberdade e a democracia’’ daqueles que vivem em países considerados, pelo governo estadunidense, ‘’convenientes ou apoiadores’’ dos grupos terroristas. Trata-se ambiguamente de recorrer a justificativa de defender ‘’valores universais’’ como forma de legitimar ideologicamente ações que são, em seu cerne, tirânicas, opressivas e antidemocráticas, porque são cerceadoras das liberdades de escolhas dos indivíduos e impositivas de uma ordem política estabelecida de ‘’cima para baixo’’, como é o caso da política intervencionalista estadunidense de guerra mundial ao terror. Entretanto, como nos lembra o historiador Eric Hobsbawm (2007), a democracia construída com justiça é popular, nunca deve ser disseminada pela imposição. A idéia de que esse sistema pode solucionar os dilemas sociais do presente e que pode trazer a paz, em vez de criar a desordem é ainda perigosa, pois pode camuflar todo o tipo de atrocidades cometidas por dirigentes que alegam agir representando a vontade de toda população.
    Em um breve olhar para a história recente das relações internacionais vemos ainda que os EUA já se associaram diversas vezes a regimes despóticos de acordo com seus interesses geopolíticos e geoeconômicos. Alguns ditadores árabes são (ou já foram) apoiados pelo governo dos EUA. A começar pelas monarquias que por décadas governam os Emirados Árabes Unidos, a Arábia Saudita, o Kuwait e o Barein, sem esquecermos dos governos recente depostos, do Egito, da Tunísia, alem do antigo parceiro, que depois se tornou um dos maiores inimigos dos EUA, o iraquiano Saddam Hussein. Todos esses governos já mantiveram acordos políticos e econômicos com a potência estadunidense e, inclusive, fizeram destas parcerias importantes trunfos para que pudessem se conservar no poder. Reiteradamente citada como um exemplo de sociedade livre e democrática, os EUA é também um caso emblemático de ser um estado que guarda um caráter ambíguo entre o discurso oficial disseminado e suas ações efetivas no plano internacional. A defesa de valores considerados irrevogáveis para a sociedade estadunidense aparentemente se opõe a forma despótica com que este estado age no plano internacional, defendendo a todo custo e por vezes impondo suas vontades, se necessário através do uso da força militar e apoiando governos tirânicos em várias partes do mundo. Contudo, a ambigüidade do discurso estadunidense não revela qualquer incoerência ou contradição interna a esta sociedade, visto que a defesa dos interesses nacionais é o objetivo último das ações que aquele estado busca promover’’
Referências;
HOBSBAWM, ERIC. Globalização, Democracia e Terrorismo. A disseminação da democracia. Editora Companhia das Letras. São Paulo. 2010. p.116-120.
A Tribuna Piracicabana. Edição 9.960. pag. A-5. 20/09/2011.
Foto: Donald Rumsfeld. Wikipedia, disponível em:  http://en.wikipedia.org/wiki/Donald_Rumsfeld. Acesso em: 20/01/2012.
  




domingo, 15 de janeiro de 2012

Guerra aos mais fracos e vulneráveis


''A guerra sempre encontra um caminho''. Bertolt Brecht




    A imagem acima mostra a realidade cotidiana que marcou o envolvimento militar dos EUA no Iraque desde sua invasão  a partir de março de 2003 até dezembro de 2011 respectivamente. A relação conturbada entre as forças armadas estadunidenses e a população local acirrou o conflito desencadeando uma violência sem limites. O resultado dessa guerra é desastroso, e ainda é incerto o futuro político do Iraque com a saída das tropas dos EUA. O desequilíbrio de forças foi uma característica desse conflito e as razões para ele ter sido deflagrado são várias, envolvem interesses estratégicos e econômicos estatais, e das grandes corporações, e o objetivo tático dos EUA de derrubar um ditador inescrupuloso e não confiável. Mas há ainda outro fator. O período da chamada Guerra Fria (1945-1991) foi marcado pelo confronto ideológico entre os EUA, e seu bloco capitalista de um lado, e a URSS, com seu bloco socialista de outro, sistematizando uma nova forma de guerra. A influência desse período permaneceu nas características dos conflitos atuais. O intelectual estadunidense Noam Chomsky em seu texto Armas Estratégicas, Guerra Fria e Terceiro Mundo (1985), definiu a Guerra Fria como um sistema altamente funcional para as duas superpotências envolvidas. Dentro da sistemática de cada bloco ocorria o pretexto ideológico de se envolver, onde quer que se achasse necessário, para se defender da ameaça do bloco adversário. As superpotências não podiam se enfrentar em uma guerra direta, pois isso resultaria na destruição total de ambas e a extinção da espécie humana. No entanto, as superpotências passaram a travar outro tipo de guerra na periferia do planeta. O poderio bélico, de ambos os lados, permitiu o controle do dissenso interno e serviu de arcabouço para o uso da força, para proteger seus domínios, contra qualquer tentativa de independência no interior dos blocos.
    Nesse período, a guerra passou a ser combatida com novos tipos de engenhos táticos como helicópteros, napalm, forças de rápido deslocamento e, se possível, armas nucleares táticas. A guerra passa a ser direcionada as áreas mais pobres do planeta contra povos que não podem reagir a agressão à altura. Sob a rubrica do sistema de Guerra Fria essas guerras foram conduzidas em muito maior proporção pelos EUA. As guerras atuais acompanham esse mesmo sistema, ou seja, a guerra direcionada aos mais fracos e vulneráveis. A chamada Guerra do Golfo (1991) foi considerada uma das guerras mais unilaterais da história contemporânea. Opôs de um lado o Iraque, com um estoque considerável de armas já ultrapassadas e superadas pelas potências ocidentais, e de outro lado os EUA e seus aliados ocidentais, armados com os engenhos bélicos mais tecnologicamente avançados do período. O resultado daquele conflito foi à formidável eficiência apresentada pelos novos armamentos. Entre os maiores destaques foram os mísseis de precisão cirúrgicas e os aviões de combate com tecnologia Stealth, invisíveis ao radar. O Iraque sofreu uma fragorosa derrota. No entanto, antes mesmo do desfecho final do conflito, as medidas para enfraquecer a capacidade bélica e econômica do país já estavam bem avançadas. Bloqueios comerciais e bélicos ao Iraque foram empregados enfraquecendo a sua capacidade de resistir por um longo período. A alienação dos sistemas de armas ainda vamos analisar em outro texto, mas era certa a derrota do Iraque, pois a superioridade bélica dos seus inimigos era estrondosa pela disparidade e dependência tecnológica.
     Como já sabemos, a derrubada do ditador Saddam Hussein não ocorreu naquele período, mas, nos anos seguintes, o que se seguiu foi um completo embargo que fragilizou a economia do país e enfraqueceu ainda mais a sua capacidade de defesa. Antes da invasão do Iraque em 20 de março de 2003, o país sofria ataques aéreos diários dos EUA e da Grã-Bretanha, principalmente dentro da zona de exclusão aérea imposta ao país para, supostamente, proteger os curdos ao norte e os xiitas ao sul contra ataques aéreos do governo iraquiano. A capacidade de defesa do Iraque estava tão frágil que o país pouco conseguiu fazer contra os invasores e foi rapidamente derrotado. Em 1º de maio de 2003 o então presidente Jorge.W.Bush anunciou o fim das operações militares no país e a dissolução do partido Baath, o partido do deposto ditador Sadam Hussein. O que se seguiu adiante foi um verdadeiro lodaçal, mas demonstra que o sistema da Guerra Fria permaneceu, ou seja, a guerra contra os fracos e vulneráveis. Nessa lógica, não surpreende a preocupação dos EUA com o possível desenvolvimento militar do Irã. O sistema de guerra direcionada aos fracos seria abalado com o fortalecimento militar iraniano, pois o país parece ter desenvolvido sistemas de armas independentes que, embora sejam insuficientes para deter o poderio bélico dos EUA, podem dificultar as coisas em uma área tão estratégica para os interesses do ocidente. No entanto, como analisaremos em outro texto, ocorrem benefícios com as tensões com o Irã, principalmente no que se refere à venda de armas e os investimentos bélicos. Mas se o fortalecimento do Irã continuar, e se elevar a um nível muito perigoso, a estratégia poderá mudar, pois, como já mencionamos, a guerra é direcionada contra povos que não podem reagir a altura sendo possível o surgimento de uma nova Guerra Fria contra o país. Os ataques já começaram com os bloqueios comerciais e o sistema financeiro do país, mas, devido ao conservadorismo da política ocidental, uma catastrófica ação militar ainda não esta descartada. Como afirma Noam Chomsky, a Guerra Fria consolidou um sistema de massacre, destruição e opressão que se estendeu e se adaptou, militarmente, para a periferia do planeta e suas características permanecem no período atual mesmo após 20 anos do seu final.

Palavras Chaves: Guerra Fria, Vulnerável, Tecnologia, Invasão, Reação.

 Referências:
CHOMSKY, NOAM. Armas Estratégicas, Guerra Fria e Terceiro Mundo. Coletânia de textos Exterminismo e Guerra Fria. Editora Brasiliense. São Paulo. 1985. p.188-205.
Foto: Economia de Guerra. Camiseta de Pet, disponível em: http://www.camisetadepet.com.br/blog/2011/08/fenomeno-el-nino-duplica-risco-de-guerra-civil-diz-estudo/economia-de-guerra-2/. Acesso em 12/01/2012.


segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Opressão e Resistência





       Em minha primeira postagem apresento essa imagem que se tornou comum nos atuais conflitos. Esses conflitos são marcados pelo total desequilíbrio e a desproporcionalidade de forças.Todos os dias, muitos palestinos enfrentam as forças israelenses com os parcos recursos disponíveis, inclusive paus e pedras. Mas porque isso ocorre? Porque os palestinos ousam ainda resistir contra o poderio bélico de Israel? As forças armadas israelenses são consideradas uma das maiores e mais eficientes máquinas de guerra do mundo. O arsenal nuclear de Israel, de aproximadamente 200 ogivas nucleares, é grande o suficiente para aniquilar todos os povos árabes vizinhos, mas, mesmo assim, palestinos pegam em armas para combater Israel, o que inclui paus e pedras. O intelectual palestino Edward. W. Said, em entrevista a David Barsamian ''Cultura e Resistência'' (2006), apresenta uma abordagem sobre a real condição dos palestinos sendo um povo com 75% de sua população sobrevivendo com menos de 2 dólares por dia. As condições impostas aos palestinos facilitam o ímpeto a resistência a qualquer custo sendo um dos povos mais oprimidos da atualidade. Evidentemente, não são todos os israelenses que apoiam a postura política do governo conservador de seu país quanto a questão palestina. Muitos israelenses são favoráveis a paz e apoiam a criação de um estado palestino e a causa palestina. O direito a paz efetiva devem abranger todos os povos, incluindo israelenses e palestinos.
       Nesse pequeno texto, quero levantar mais um questionamento: é possível as armas aniquilar a vontade de resistência de um povo? Considero ser possível destruir uma resistência armada de uma população, mas não á sua vontade de resistir, essa pode ser inabalável, principalmente, se o que resta a esse povo for a resistência. A resistência trás esperança. Assim como os judeus resistiram contra a opressão dos nazistas no levante do Gueto de Varsóvia, com armas improvisadas em 1943, talvez para muitos palestinos só resta essa alternativa atualmente. Deve se criar outra alternativa para eles. Medidas para  melhorar as condições de vida dos povos e diminuir a opressão pelas armas historicamente são mais eficientes e positivas para a paz. Sem dúvida essa é uma questão polêmica e esse é o objetivo nesse espaço, pois estamos em mundo onde um trilhão e quinhentos bilhões de dólares estão sendo gastos por ano no setor militar sendo esses recursos suficientes para erradicar a fome, o analfabetismo e o déficit habitacional mundial em poucos anos se aplicados ao setor civil. Na história humana as armas podem matar e oprimir, mas não podem destruir idéias, ímpetos e vontades de um povo, pois uma resistência, a todo e a qualquer custo, é uma forma de adquirir esperança no futuro e nenhuma máquina de guerra no mundo é capaz de conter.
Referências:
SAID. EDWARD.W. Cultura e Resistência.Uma perspectiva palestina sobre o conflito com Israel. Editora Ediouro. Rio de Janeiro. 2006.p- 133-157.