‘’As guerras localizadas de
hoje, que tão facilmente passam de um calibre para outro, documentam bem
claramente o quanto a preocupação de armar-se para evitar ataques pode com
facilidade transformar-se primeiro em provocação, depois em catástrofe’’
Anthony Sampson.
‘’Estamos certamente metidos em um
negócio infernal, onde torcemos para que haja encrencas, a fim de que melhore
nosso meio de vida’’. Frank S. Jonas (vendedor de armas da Remington)
As revoltas no mundo árabe,
denominadas no ocidente como “Primavera Árabe’’, arrastaram vários países para
uma onda de violência e ebulição interna. O incompreensível Oriente Médio (Aos
olhos da conservadora política externa ocidental), foi assolado por essa onda de revoltas que acarretaram na
derrubada de ditadores no Egito,Tunísia e Líbia os quais, antes das revoltas, eram aliados
e colaboradores das potências ocidentais (Lembrando que o mundo árabe envolve o Oriente Médio e todo o norte da África). A questão da ambigüidade dos
discursos ocidentais em defesa da liberdade e da democracia já foi abordada
nesse blog (Ver texto ‘’O ambíguo discurso dos EUA em defesa da liberdade e da
Democracia’’). Na maioria dos países do Oriente Médio, as fronteiras
internacionais foram delimitadas, segundo os interesses imperialistas
ocidentais, durante o processo de descolonização iniciado após o fim da Segunda
Guerra Mundial (1939-1945). Muitos povos e culturas particulares acabaram sendo
reunidos dentro de países construídos artificialmente, se estabelecendo um
governo único que, muitas vezes, não representavam todos os grupos étnicos
existentes dentro dessas novas fronteiras. Como ocorreu na África, a delimitação
das novas fronteiras uniu povos, e grupos étnicos, que não se identificavam com
outros povos, de culturas e dialetos diferentes, dentro de um mesmo território
e, assim, não tardaria a ocorrer conflitos e disputas de poder entre grupos e
etnias acarretando em conflagrações prolongadas e perpétuas (KARNAL, 1994, 69p).
No
tabuleiro montado para delimitar essas fronteiras no Oriente Médio, com várias linhas ou faixas de fronteiras retilíneas feitas na forma de traçados, as grandes potências não poderiam deixar de
instalar seus governos colaboradores. O mais colaborador desses estados, aos
interesses ocidentais, seria a representação de um modelo de estado ocidental,
uma vitrine do capitalismo estadunidense. Fundado em 1947, Israel teve o apoio
incondicional dos EUA, para representar o capitalismo ocidental, diante da
influência do socialismo soviético na região durante o período da Guerra Fria (1945-1989).
Com interesses expansionistas, Israel se entregou ao militarismo para submeter
os povos árabes construindo uma formidável máquina de guerra (Ver texto: Valsa
com Bashir e a sombra de Sabra e Chatila). Em resposta ao militarismo
israelense, os países vizinhos como Síria, Egito, Iraque, Líbano, Jordânia e,
posteriormente, o Irã buscaram no armamentismo uma forma de resposta (KARNAL,1994, 69p). O Oriente Médio, assim, se transformou em uma região onde o comércio de armas se tornou
um dos principais e mais lucrativos negócios para as grandes corporações
produtoras de armamentos. A produção de petróleo fornece os recursos
suficientes para os países se armarem constantemente (SAMPSON, 1982, 405p).
O jornalista e historiador britânico Anthony Sampson em
‘’Os Vendedores de Armas’’ (Titulo original ''O Bazar de Armas''), investigou a escalada indiscriminada do
fornecimento de armas em todo mundo, onde as grandes corporações se fazem valer
das táticas como os favorecimentos a grupos políticos locais. A corrupção se
tornou um grande recurso para os vendedores de armas que atuavam como
representantes das corporações. Abarrotar o mundo de armas significava, sempre,
enormes lucros não importando os riscos políticos e desconsiderando as
rivalidades e instabilidades internas dos países. Essas instabilidades internas
e conflitos externos são terrenos férteis a serem explorados para o comércio de
armas em todo o mundo. Sampson atribui esse fenômeno a um ‘’colonialismo das
armas’’ onde as potências exploram os países sem a utilização da força, destacando
a situação de países da África Subsaariana, do Oriente Médio e da América Latina que, mesmo com graves problemas sociais, gastavam enormes recursos no
setor militar (SAMPSON, 1982, 405p).
No Oriente Médio, o Líbano, o Iraque e o
Afeganistão são exemplos de países em constantes conflitos internos e
rivalidades que acarretaram em instabilidades políticas e violência sectária e
generalizada. A Síria foi um país, também, fundado em fronteiras
artificialmente construídas segundo os interesses de franceses, estadunidenses
e ingleses após 1945. Durante décadas, o país foi comandado por ditadores de uma
mesma família que, com punhos de ferro, mantinham a unidade territorial e a
estabilidade política no território o qual reúne pelo menos quatro grandes grupos
étnicos (KARNAL, 1994, 69p). No entanto, o país se posicionou, nas últimas décadas, contra os
interesses ocidentais por manter uma postura nacionalista, não-neoliberal e de
hostilidade a Israel. A Síria, também, carrega o peso de ser, o governo do
ditador sírio Bassar AL Assad, um importante aliado do Irã se colocando na
esfera das hostilidades entre os EUA e Irã. O governo de Assad mantém laços com
a comunidade Xiita e Alauíta, pois sua família pertence a esses grupos de populações islâmicas. Hoje essa mesma Síria mergulha em sangue. A guerra civil, iniciada em
2011, já pode ter matado 70 mil pessoas. Fica cada vez mais evidente o conflito
entre os grupos xiitas e alauitas, que apóiam Assad, e os grupos sunitas (Outro grupo de populações islâmicas), os quais são representados pelos opositores que tentam
derrubar o governo sírio.
A história do Oriente Médio sempre foi
marcada pela guerra e o comércio incessante de armas. A guerra civil na síria
revela ao mundo a nova face do comércio internacional de artefatos bélicos. A Rússia e o
Irã fornecem armas para o governo sírio, enquanto que armas dos EUA, França e
Inglaterra estão chegando aos opositores via Barein e Arábia Saudita. Um
conflito interno, que revela os choques entre etnias e culturas, que poderá se
intensificar ainda mais. Ao apoiar os opositores, não se levam em conta que o
governo de Assad tem o apoio de boa parte da população.
Por outro lado, os grupos sunitas, que perderam o poder no Iraque, estão se
unindo para tentar tomar o poder na Síria, o que dificilmente poderá ocorrer. A
irresponsabilidade dos que interferem nesse conflito, armando algum dos lados,
poderá intensificar e prolongar as hostilidades, como ocorreu no Líbano, onde a
guerra civil durou de 1975 a 1989, se prolongando para o sul até 2000, sem
haver vencedores.
A guerra civil na Síria, é um exemplo da
necessidade humana de superar o recurso da guerra, de superar essa mentalidade belicosa,
pois as dimensões culturais dos países estão acima do poder político e não
podem ser delimitadas por fronteiras (Visto que o conflito na Síria não se restringe apenas as suas fronteiras). No entanto, aparentemente, a Síria se
coloca dentro de uma sombria realidade que opõe de um lado rivalidades locais,
intensificadas após a invasão do Iraque pelos EUA, e de outro lado o choque
entre novos imperialismos envolvendo as potências ocidentais, a Rússia e a
China. A Síria, assim, poderá se tornar em um novo campo de testes de artefatos
de destruição e morte nos novos jogos geopolíticos globais. No meio de tudo
isso esta a população civil síria, os principais atingidos por toda essa
tragédia, e o sofrimento desse povo pode estar apenas começando. A venda e o
fornecimento de armas continuarão, unindo às rivalidades locais. Como afirma
Anthony Sampson - ‘’Nunca se poderá controlar o comércio de armas a menos que se
mude a mentalidade dos homens’’. Com a mentalidade de guerra que predomina na
atualidade, é difícil prever como e até quando a tragédia síria prosseguirá. Pobre Síria.
O que podemos considerar, ao analisar guerras como essa, é a necessidade de superar os velhos antagonismos, criados para separar e definir os lados envolvidos nos conflitos atuais. Essa guerra, evidentemente, não se trata de uma luta de bons contra maus, nem moçinhos contra bandidos. Trata-se de um conflito desencadeado por rivalidades internas e culturais já existentes na Síria. O discurso da mídia ocidental, que associa a guerra á uma luta contra um governo ditatorial por grupos que desejam implantar uma democracia, não deve ser considerado como válido, pois não há uma tradição democrática na região. O modelo democrático burguês ocidental não corresponde as realidades culturais da grande maioria dos povos do Oriente Médio. Somente os povos dessa região devem decidir seus direcionamentos políticos. A interferência externa nessa região sempre foi marcada pela defesa de mesquinhos interesses políticos e econômicos, que só trouxeram dor e sofrimento a milhões de habitantes do Oriente Médio. A questão da mediocridade dos discursos midiáticos, com a apologia ao recurso militar, será apresentada ainda em outros textos.
Referências:
- KARNAL, LEANDRO. Oriente Médio. São Paulo. Editora Scipione, 1994. 69p.
-SAMPSON,
ANTHONY. Os Vendedores de Armas. Rio
de Janeiro: Record, 1982. 405p.
- Foto: A Guerra Civil na Síria. Disponível em:http://www.brasil247.com/pt/247/revista_oasis/85611/
Muito legal de novo, quero mais um ponto por favor.
ResponderExcluirGenivaldo me dá um autógrafo
ResponderExcluirQue os futuros alunos tenham uma escrita bem construída como a sua. Amém <3
ResponderExcluirgenivas seu gostoso
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